Adentrando no salão, avistei as pessoas dançando, aparentavam estar alegres. Riam, rodopiavam. A música em sintonia com os pares. Eu queria estar ali, mas também não queria. Vocês já sentiram isso? Uma vontade imensa de pertencer, mas ao pertencer, se sentir como uma pessoa deslocada daquele contexto? Bem, eu sei que existe um nome muito utilizado para isso, por nós, profissionais da psicologia.
Todavia, hoje, eu escolhi não escrever sobre psicologia, e sim, como quem dança. Vocês aceitam essa dança?
Certo dia alguém me disse algo que ficou: "eu sou artista, mas tenho medo de mostrar a minha arte, por que não tenho coisas bonitas para mostrar, eu tenho dor".
Nessa semana, estava retomando escritos para a produção de um artigo e a temática era justamente essa: o conceito de arte. Por muito tempo aprendemos a ligar arte à estética padronizada do que está posto como belo. Mas, para muitos estudiosos, a arte, na verdade, está presente no avesso estético, na fresta que ilumina sem querer iluminar, no que resiste, e sim, na nossa dor.
A questão, aqui, é que a arte pode ser utilizada como uma ferramenta para atravessarmos essa dor ou para produzirmos algo com ela.
Eu saio do salão, tiro as sandálias que apertavam os pés. Lembro-me da performance de uma amiga, que consistia, justamente, em abandonar instrumentos das danças de salão que serviam apenas para demarcações de gênero: o salto, o vestido, o batom.
Queremos corpos livres, que dançam a poesia do existir-resistir, que é vasto.
Eu começo a dançar bem pequeno, sinto o corpo cheio de angústia e poesia. Que alívio saber que não dancei uma dança "bonita". Afinal, como dançar profundidades? Como dançar com o burburinho que ao mesmo tempo é silêncio? Desarrumar a dança - ou a vida - também é tarefa importante. Talvez, só a arte para produzir algo tão intenso. Ou uma boa escuta. E aqui - na escuta - arte e psicologia se encontram.
Rubem Alves tem um escrito, que admiro, sobre isso: "A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina."
Apesar de dizer que hoje não mencionaria a psicologia, me rendo. Que encontro potente. A clínica também é palco que acolhe, que promove essa escuta que vai além do que aparece na superfície.
A arte atravessa camadas.
A clínica também.
Outra dança.
Não precisa ter beleza, só precisa ser real. Talvez, aí resida o "belo".
Ana Claudia Loureiro
CRP/ 14/07125-4
Psicóloga Clinica, Mestre em Psicologia e dançarina de pequenas angústias.
Foto por Rebeca Moreira.