O espetáculo "Terra Brava", da Cia Apoema, estreou às 16h de 10 de dezembro, na Associação Lar do Pequeno Assis, em Campo Grande (MS), para uma turma de diversas crianças. Essa matéria saiu originalmente no TeatrineTV.
Os pequenos ainda participaram na manhã desta 4ª.feira (11.dez.24), do workshop "Circo-Teatro: Um Borrar de Fronteiras Brincante", oferecido pelos integrantes da Cia.
“Terra Brava” terá mais três apresentações na capital sul-mato-grossense, sendo a segunda apresentação, às 9h da 5ª.feira (12.dez.24), na Escola Estadual Clarinda Mendes de Aquino, no Jardim Petrópolis. A classificação é livre e a duração total do espetáculo é de 45 minutos.
Escrito por Nathália Maluf, com colaboração de Dora Gomes e dirigido por Lígia Prieto, o espetáculo explora temas de pertencimento, ancestralidade e resistência, inspirados na história familiar da autora, neta de nordestinos que migraram para MS.
Em cena, os atores Nathália Maluf e Tero Queiroz executam uma performance que mescla elementos teatrais e circenses.
A trama gira em torno de Maria e José, um casal que enfrenta dilemas no coração da terra e na alma, em busca de uma vida melhor. Enquanto José quer partir, Maria deseja permanecer ligada à terra. “Foi uma experiência muito incrível para as crianças e para nós também. Nós nunca tivemos nada referente a circo ou teatro aqui. Eles amaram e nós também ficamos muito encantados com o espetáculo, foi muito bom”, disse a professora Jaqueline Silva, logo após a apresentação.
As crianças, ao final do espetáculo, estavam ‘encantadas’ com os personagens. Chamavam por eles: “Maria, olha o que eu sei fazer!”, executando uma estrelinha. Outros pequenos subiram no equipamento, sob o monitoramento do elenco.
PROPOSTA ‘ESCASSA’ EM MS
Ao longo da história, os personagens representam a luta pela sobrevivência e o desejo de mudança, referenciando a jornada de diversos povos, como nordestinos, indígenas, quilombolas e camponeses. “Apesar do texto do espetáculo retratar a história de um casal de nordestinos, os personagens da obra carregam consigo esse sonho de pertencimento, a luta e a resistência de uma terra que é sua por direito e a aspiração de uma vida mais generosa. Assim, Terra Brava, que também retrata na dramaturgia a ancestralidade indígena do personagem José, é terra de retirante nordestino, mas também de indígena, e quilombola, de sertanejo, de camponês e de todos aqueles que se veem obrigados, em determinado momento da vida, a partir ou lutar para ficar, mas sem perder a bravura e o almejo de preservar sua própria história e sustentar sua identidade”, introduziu Nathália.
Ainda de acordo com a autora, o resgate memorável que o espetáculo tem como proposta é para que cada um, dentro do que entende por sua própria territorialidade, visto que o Brasil é um campo de muitos sujeitos, em processos contínuos de desenraizamento e enraizamento. “Além de sermos todos frutos tanto da imigração quanto da migração dentro do próprio país, seja ela vivida por nós ou por nossos pais, avós ou antepassados, nos sintamos de certo modo identificados com a própria história da obra”, explicou.
Nathália argumentou ainda que Terra Brava é um espetáculo que se faz a partir do hibridismo de duas linguagens que se conversam. “Não é uma coisa ou outra, é importante compreender a pluralidade de ambas as poéticas de forma não limitante a uma lógica horizontal, assim, borrando as fronteiras: é teatro no circo, é circo no teatro!”.
A autora apontou que o encontro entre o circo e o teatro, que o processo trouxe, é marcado pela sinergia corporal e dramática das duas linguagens. “Então, o circo aqui reconfigura tanto o corpo do ator e da atriz para a cena quanto a própria linguagem cênica, por exemplo, ainda temos uma estrutura em cena, que não só compõe o cenário, a estética ou serve para ancoragem de aparelhos, como geralmente estamos acostumados a ver, mas ela é também o nosso próprio aparelho em cena e acaba virando uma extensão do nosso próprio corpo ali”, acrescentou.
Nathália também afirmou que o espetáculo traz algo escasso no cenário sul-mato-grossense. "Eu defendo a ideia de que não é um espetáculo só de teatro ou só de circo, é a partir do entroncamento dos dois. Não acho que a gente tá inventando a roda de maneira alguma, tem muitas pessoas fazendo isso por aí e já algum tempo, mas aqui no Mato Grosso do Sul, esse tipo de trabalho que mistura do início ao fim circo e teatro, não separando texto da virtuose e aproveitando o repertório dramatúrgico como um todo, ainda trazendo a poética circense a partir de elementos que fogem, por exemplo, da comicidade ou da palhaçaria, como estamos acostumando a ver por aqui quando se trata da junção das duas linguagens, é um diferencial da nossa proposta. Não no sentido de ser o único, o primeiro, isso não, mas esse tipo de produção ainda é muito escasso por aqui”.
Ela ainda celebrou que Terra Brava seja um trabalho artístico escrito e dirigido por mulheres. “Com esse espetáculo eu acho que a cidade acaba democratizando o cenário artístico local, porque produções assinadas por mulheres como essa, eu na dramaturgia e Lígia na direção, ainda são muito pequenas se equiparadas a produções realizadas por homens aqui no MS”, completou.
O projeto recebeu R$ 53.633,00 de incentivado ao ser contemplado no Fundo de Investimentos Culturais de Mato Grosso do Sul (FIC/MS) de 2022, com gestão da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e da Secretaria de Esporte, Turismo e Cultura (Setesc). A íntegra.
Com apresentações gratuitas em diferentes bairros de Campo Grande, o espetáculo busca descentralizar a arte e levar o teatro a públicos com acesso limitado a produções culturais.
COMPOSIÇÃO E CRIAÇÃO
A diretora Lígia Prieto contou como foi o processo de ensaio para o espetáculo Terra Brava com Nathália e Tero. “A partir da dramaturgia da Nath, que é uma dramaturgia muito potente, a gente foi caminhando num processo da Escuta da Criação, que é um processo que eu acredito muito para a cena, onde não há uma imposição da criação, em que eu, enquanto diretora, marque toda a cena ou conduza especificamente para algum tipo de ação. Não, pelo contrário, a gente trouxe durante o processo muitas experimentações, tentativas de encontrar as palavras que foram escritas pela Nathália e que trazem a trajetória, as histórias que ela queria partilhar, dentro dos corpos das pessoas que estão em cena”, explicou.
De acordo com a diretora, a abordagem com o elenco passou por um grande processo de experimentação, com foco inicial em pontos específicos. “A gente trabalhou relação, encontro, escuta do próprio corpo, escuta do próprio nascimento do gesto, para entender onde cabe cada coisa. Inclusive, para encontrar as partituras circenses que fazem parte do espetáculo”, detalhou.
Assim, o processo cênico foi se construindo aos poucos. “Esse processo é um processo que vai primeiro preparando esses corpos, compondo esses corpos dessa história, dessa trajetória, e a última coisa que nasce é, de fato, o desenho cênico. Porque o desenho cênico é um resultado desses encontros todos”, pontuou Prieto.
O impacto do processo estará evidente no espetáculo que, na avaliação da diretora, entrará numa nova fase após a estreia. “Então, o espetáculo ele se monta mesmo em processo, e ele se monta muito mais perto desse final: ‘ah, chegamos no final!’, que é onde começa um outro processo, que é esse encontro agora que o espetáculo vai percorrer com a plateia. Então, todo esse caminho foi muito rico, foram meses de trabalho, mas que primeiro a gente se preocupou em preencher esses corpos dessa dramaturgia, dessas trajetórias desses personagens, para depois ganhar essa cena com o desenho que as pessoas vão assistir”, disse.
Lígia revelou que suas expectativas para a recepção do espetáculo estão altas. “Porque o espetáculo é muito potente. Ele é um espetáculo que cabe em muitos lugares, embora a estrutura dele exija um espaço mais alto, então ele acontece muito tranquilamente na rua, mas ele poderia acontecer muito lindamente, com uma iluminação incrível, dentro de um teatro, mas já que a gente trabalha com alturas, temos algumas limitações, infelizmente, na cidade”.
A diretora apostou que haverá um forte encontro do público com os personagens. “Acredito que a plateia vai receber muito bem, porque é um espetáculo que fala sobre o mundo. São Marias e Josés, Marias e Joãos que vão percorrer esse trajeto de encontro e todos nós somos Marias, Josés e ‘Joães’. Então, é um espetáculo que fala a partir de uma singularidade, mas que traz lugares muito universais, do desejo de ganhar a vida, do enraizamento, da certeza dessa ancestralidade, de pertencer, do sentimento de pertencimento. Então, eu acho que tudo são sentimentos universais que as pessoas que encontrarem o espetáculo vão perceber”, comentou.
Para a diretora, o espetáculo Terra Brava vai levar ao público de forma fluida uma narrativa potente. “O teatro é feito de tudo! A cena ganha tudo, ela ganha circo, ela ganha o que as pessoas chamam só de teatro, ela ganha música, o teatro tem esse lugar. Uma vez, eu ouvi de um maestro de Minas Gerais, Ernani Maletta, que ele fala assim: se você assiste a um espetáculo e você não sabe dizer se aquele espetáculo é de música, é dança, é de circo, é teatro, significa que é teatro. Porque o teatro tem justamente esse lugar amplo, em que tudo cabe”.
Questionada sobre qual foi o maior desafio no processo de criação do espetáculo, a diretora considerou que foi necessário romper as limitações. “Acho que o nosso maior desafio foi tornar isso fluído, e acredito que ampliar mesmo esse lugar das referências, porque tudo pode, não pode qualquer coisa, mas tudo pode. Então, às vezes, a gente se limita por achar que não pode fazer uma partitura circense no meio de uma história, mas não, tudo é feito de história também. Então, essas misturas, esses encontros todos fazem a cena acontecer de forma muito fluida”.
A diretora concluiu destacando que a experiência do elenco contribuiu de forma acertada para o resultado. “Por termos dois corpos em cena muito fluidos na área circense, conseguimos compor essas partituras com maior fluidez, mas também, principalmente, por serem corpos que frequentam o teatro, a história é muito bem contada. Então, vou encher a bola para o elenco e dizer que é importante mesclar as linguagens, mas que a gente só consegue fazer isso com um corpo de elenco pronto para encarar esse desafio. Talvez a melhor parte do processo tenha sido ter dois corpos circenses em cena para vivenciar essa experiência, dois corpos que frequentam a cena teatral e a cena do circo”, concluiu.
OUTRAS APRESENTAÇÕES E WORKSHOPS
Após a segunda apresentação, no mesmo dia 12 de dezembro, às 13h, nas dependências da escola Clarinda, será oferecido o workshop "Um Borrar de Fronteiras Brincante", assim como o primeiro, destinado a crianças acima dos 5 anos e a adolescentes.
Em 13 de dezembro será realizado o workshop "Um Borrar de Fronteiras: Circo, Teatro, Corpo Cênico e suas Possibilidades", nesse caso, destinado a artistas, professores e público geral. Com duração de 4 horas, com início às 14h, o workshop será realizado no Ateliê Ramona Rodrigues, no Centro, com intuito de aprofundar o processo criativo do espetáculo e fomentar a troca cultural.
As inscrições para o 2º workshop são limitadas a 20 participantes. Caso o número de inscritos ultrapasse a capacidade, vagas serão destinadas a indígenas, negros e a comunidade LGBTQIA+. Os interessados devem se inscrever pelo link clique aqui.
Em 14 de dezembro, o workshop "Um Barrar de Fronteiras Brincantes", destinado para as crianças e adolescentes ocorrerá às 8h na Praça da Poesia, localizada no Parque Novos Estados. No mesmo local, às 16h, ocorrerá a apresentação de "Terra Brava" aberta ao público geral.
No dia 16 de dezembro, o workshop "Um Barrar de Fronteiras Brincantes" ocorrerá às 8h no Instituto ACIESP, no Bairro Aero Rancho. Também na ACIESP, às 16h do mesmo dia será realizada a última apresentação dessa temporada de "Terra Brava".
EQUIPE E APOIOS
Terra Brava conta ainda com a sonoplastia ao vivo comandada pelo músico Vinícius Mena. A realização é da Cia Apoema e a produção geral é assinada por Nilci Maciel. Ainda integram a equipe Dayane Bento (figurino) e Julian D. Vargas (designer gráfico).
O projeto conta com apoio do Grupo Casa, Ateliê Ramona Rodrigues, Pisando Alto e TeatrineTV. Agradecimentos especiais são dirigidos a Maria José Noberto Silva, Marcelino Gomes Silva, José Noberto de Moraes e Regina Gomes, cujas histórias inspiraram a obra.
Fonte: TeatrineTV