23 de novembro de 2024
Campo Grande 23ºC

INTERIOR | FEMINICÍDIO

Pâmela morre após ser queimada viva; 'filha de 10 anos viu tudo'

Família acusa esposo e teme pela vida dos filhos da vítima

A- A+

Pâmela Oliveira Silva, de 27 anos, morreu após ser queimada viva em Rochedo (MS), no dia 21 de julho. Ela chegou a ser levada à Santa Casa de Campo Grande (MS), mas faleceu às 11h de 22 de agosto, um mês após o incidente. A família da vítima diz que o esposo dela, Damião Souza Rocha, de 35 anos, teria jogado combustível, trancado a esposa em casa e ateado fogo. A polícia diz que a afirmação é prematura.  

A reportagem do MS Notícias confirmou detalhes do caso por meio do registro de ocorrência, onde é narrado que a filha de Pamela, de apenas 10 anos, teria visto o pai (Damião) jogando gasolina e em seguida ateando fogo na própria esposa. Momentos antes, Damião e Pâmela haviam discutido e ele bateu em Pâmela, depois, jogou o combustível e ateou fogo na esposa e trancou a casa. Tudo teria sido contado pela criança à tia. A pequena, entretanto, pediu para a tia não contar a ninguém, pois temia que a polícia prendesse seu pai (entenda abaixo)

Pâmela era casada há aproximadamente 10 anos e tinha dois filhos: um menino de 6  anos e a filha de 10 anos, que presenciou a mãe se debatendo em meio às chamas. Os pequenos estão sob a guarda de Damião e o avô, Roberto Martins da Silva, de 56 anos, teme pela vida das crianças. “Eu preciso da guarda deles urgente, urgente. Por favor, me ajudem. Se esse cara é capaz de fazer isso coma esposa, o que ele não é capaz de fazer com os filhos”, alertou o avô. 

Apesar de ser acusado de feminicídio pelos familiares, logo após Pâmela ter sido resgatada, Damião foi até à Delegacia de Polícia de Rochedo no dia 22 de julho e confeccionou o B.O. nº.240/2022/DP-Rochedo, registrado como: suicídio na forma tentada e incêndio culposo. Isso é, na versão de Damião a própria Pâmela havia incendiado a si e a sua residência. “Depois de uma semana que ela foi para o quarto [do hospital] notamos que não era verdade isso que ele vinha afirmando. Antes, a minha filha que mora lá perto morava a Pâmela já tinha relatado: ‘pai, o Damião que ateou fogo nela. Ela não fez isso com ela!’. E a filha mais velha [da Pâmela] tinha falado para minha outra filha, né? Mas aí, a minha neta entrou em desespero quando a tia começou a gritar e xingar o Damião. Falou: ‘Tia, eu falei para você não falar para ninguém. Por que meu pai vai ser preso, e a gente? A gente vai ficar sozinho... Como é que a gente vai ficar sem pai e sem mãe agora? (sic)”, lembrou o avô em prantos ao telefone.

À justiça, o pai e uma irmã de Pâmela havia pedido medida protetiva contra Damião para que ele não visitasse a esposa no hospital, temendo que ele pudesse “terminar o feminicídio”, já que quando o registro foi feito, Pâmela ainda estava viva entubada na Santa Casa.

NO LEITO DO HOSPITAL

Pâmela foi resgatada com vida por um morador que passava quando ela era consumida pelas chamas. Levada à Santa Casa, com 90% do corpo queimado, a mulher conseguiu em dado momento, quando ocorreu uma breve estabilização, se comunicar com a irmã e mesmo com dificuldade, Pâmela teria, segundo a irmã, confirmado que Damião teria jogado o combustível. Imediatamente, a irmã procurou a 1ª Delegacia de Proteção à Mulher (Deam) em Campo Grande e registrou um boletim de tentativa de feminicídio. Concomitantemente soube que o cunhado, em Rochedo, havia procurado a polícia e registrado outro boletim em que ele alegava que a esposa cometeu uma tentativa de suicídio e incêndio culposo.

O pai de Pâmela explicou que na Santa Casa sua filha disse: “Quando ela foi para o quarto ela estava falando em tom baixo. Disse assim: 'pai, não foi eu que taquei fogo, foi o Damião. Eu já estava vindo embora, vindo embora para cá. E ontem eu me decidi!' Porque para ela [Pamela], tudo tinha acontecido na noite anterior (sic)”, narrou Roberto. Pâmela iria largar de vez o esposo para voltar a viver na casa do pai em Campo Grande, no Bairro Zé Pereira.   

Roberto acrescentou que no passado já havia recebido telefonemas da filha pedindo que ele fosse até Rochedo buscá-la. “Eu morei em Rochedo 6 anos, foi quando ela conheceu esse Damião e foi morar com ele. Por várias vezes ela chegou a me ligar e pedir  para eu ir buscar ela. Por duas vezes eu cheguei a sair da cidade com destino a buscar ela, mas ela me ligou nas duas vezes e disse que já haviam conversado e que já tinham se acertado”, lembrou. Para o pai, só se confirmou a suspeita da família de que Pâmela era vítima de um relacionamento agressivo, quando ela chegou queimada ao hospital.

OS NETOS

Sobre a guarda dos netos, Roberto disse que tentou falar com as autoridades, mas como o caso está em segredo de justiça ele não conseguiu uma resposta. “Tentamos falar com tudo quanto é lado, enquanto a Pâmela estava viva. Mas daí, como estava correndo em segredo de justiça, até com o advogado a gente acionou, mas a gente não conseguiu nada. Eu perguntei: 'mas como, a gente não vai ficar com as crianças?' Eles disseram que a gente tem que aguardar a justiça se pronunciar”, contou.

De acordo com Roberto, toda movimentação que a família de Pâmela vai fazer para solicitar a guarda dos pequenos, Damião já se adiantou: “Ele é um cara conhecido, simples, mas conversa com todo mundo e tem influência nesses casos”, opinou o avô. 

“Eu sou um cara trabalhador, minha preocupação é grande com meus netos... (chorando), criei minha filha batalhando, trabalhando, para uma pessoa fazer isso com ela, velho? Tenho medo, tenho! Eu tenho mais filhos, tenho que tocar minha vida que está com uma semana parada porque não consigo entender por que meus netos estão nas mãos desse cara...Eu quero cuidar deles, criei todos meus filhos, duas crianças da minha filha, meus netos não vai ser um problema”, finalizou o avô bastante emocionado, implorando para que a justiça lhe ouça. 

O boletim de ocorrência foi registrado na Deam, mas encaminhado a delegacia de Rochedo onde o crime ocorreu. 

INVESTIGAÇÃO 

A reportagem procurou a Delegacia de Polícia de Rochedo, que tem como titular o delegado Roberto Duarte Faria. Ele disse ao MS Notícias que o inquérito foi instaurado como 'suicídio' e que aguarda o laudo pericial para ver se a qualificação do crime vai mudar. "Não tem como eu dizer que ele é suspeito, assim como não posso descartar, preciso aguardar o laudo pericial", explicou. 

O delegado contou que sem o laudo as crianças continuam sob a tutela de Damião. "Vou até Campo Grande ouvir essas testemunhas do B.O da Deam. Seria prematuro apontar o esposo como suspeito se o que temos aqui de material indica outra qualificação. Então, vou ouvir essa irmã que mora aqui e vou até Campo Grande para ouvir o pai e outra filha", garantiu. 

"Entenda, não estou dizendo que o esposo não fez, assim como não posso afirmar agora que ele fez algo contra esposa, seria prematuro de minha parte", acrescentou.

Ainda conforme o delegado, a criança de 10 anos contou outra versão em depoimento especial à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). "Ela disse que o pai estava mexendo na máquina de cortar grama fora da casa e que quando viu a Pâmela em chamas, usou um cobertor para tentar apagar o fogo e tirou ela da casa. É o que a criança disse em depoimento especial, então, preciso ouvir essa tia, porque não bate com o depoimento enviado pela DPCA para cá", revelou. 

O delegado finalizou dizendo que caso se confirme por meio de laudo a situação de feminicídio, irá pedir de imediato a prisão preventiva do suspeito. "Se se confirmar, pedirei a prisão e as crianças imediatamente serão entregues ao avô, isso sem dúvida. Agora, sem o laudo não posso me adiantar e cometer um equívoco", completou.