Editorial
Sem alarde, Azambuja impede um perigoso início de corrupção
Algo de bom senso e exemplo de boa gestão durante o primeiro fato que poderia gerar uma crise. Ainda é cedo para acreditarmos em mudanças efetivas, mas a primeira impressão foi excelente.
Em seu discurso de posse, o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) manteve a coerência que demonstrou durante a campanha e garantiu um novo tempo na política, ainda que pudesse falar apenas por Mato Grosso do Sul. Mas, campanhas são campanhas e discursos são discursos. Nada ia além do que sempre presenciamos.
“A (...) mudança de fundo diz respeito às práticas de governança. Não seremos condescendentes com o compadrio e o danoso aparelhamento do estado, como se vê no plano nacional. (…) Faremos um combate determinado, incessante, permanente à corrupção, mal do novo século. Não vamos tergiversar um só instante com desvios e a leniência, que servem a todos os interesses, menos ao interesse público.”
A nós, cidadãos e eleitores restava aguardar. A população, de uma maneira geral, buscando em cada notícia, dia após dia, o descortinar das falcatruas descobertas por detrás das cortinas do poder. Sabíamos, por amarga experiência, que a qualquer momento o discurso viria abaixo e traria de volta a razão do nosso masoquismo cívico em eleger algozes.
Chegados quase os icônicos 100 primeiros dias de governo, eis que ele surge, não pela vontade ou pela caneta do governador, mas por um dos seus mais próximos colaboradores, seu líder na Assembleia e irmão da vice-governadora, deputado estadual Rinaldo Modesto.
Parecia enfim, para nossa ressurreição pessimista, que a lama chegara confirmando nosso abatimento cívico. Rinaldo, numa ação de compadrio com o presidente do Tribunal de Contas do Estado e histórico peessedebista Waldir Neves, havia rasgado o discurso e exposto as vísceras do novo governo, tão igual a outros.
De forma suspeita, o deputado havia contemplado seu filho com um confortável contrato de prestação de serviços e sua filha com a segurança de um cargo, ambos no Tribunal que, em última análise julgaria as contas de sua irmã que é a segunda em grau de importância dentro da governadoria no Parque dos Poderes. Dizemos “suspeita” e isso basta, o bê-á-bá da política diz que “à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta”.
Mas, numa atitude que deveria ser a regra e não a exceção, o governador fez valer sua palavra empenhada e manteve sua linha de conduta anunciada: “ Não seremos condescendentes com o compadrio e o danoso aparelhamento do estado”.
Questionado sobre o caso, Azambuja preferiu não se pronunciar em público ou proferir juízo de valores, impediu que respingasse no governo esse primeiro desvio ético. Cobrou a responsabilidade a quem de direito, o presidente do TCE. “Se ele contratou, deve ter um motivo”, respondeu.
Não alimentou a crise e não procurou justificar atitudes que não eram suas. Em público, porque nos bastidores a história se desenvolveu de forma diferente. Se por discurso fez saber aos cidadãos sul-mato-grossenses que viveríamos uma outra época, sem alarde, sem chamar os holofotes, em uma conversa de pé de ouvido explicou isso ao seu líder.
Diplomaticamente todo o seu staff está informado de suas pretensões e ações como governante, a de que não pretende ser conivente com a velha prática política.
Reinaldo certamente irá cometer erros, assim como irá tomar atitudes discutíveis, afinal é governo e não conta com unanimidade, mas soube conter a primeira crise que se avizinhava e, o que seria o início da derrocada da confiança colocada em um governo que se inicia, soube transformar em positividade, sem macular a independência dos poderes.
Rinaldo Modesto soube entender o recado, ainda que a duras penas e cortando na carne. Em “Nota de Esclarecimento” disse:
“A vista dos fatos noticiados recentemente na imprensa, que envolvem a contratação, pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, do meu filho Felipe Nunes Modesto de Oliveira, para prestar, temporariamente, serviços de prestação de serviços de assessoria em contratos oriundos de convênios e de minha filha Caroline Danielle Macena de Oliveira Rosa, que foi nomeada para ocupar o cargo de Assessor de Gabinete II, venho a público, em respeito, sobretudo, aqueles que confiaram seu voto em minha pessoa, como seu representante junto a Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul, prestar os seguintes esclarecimentos.
(…)
Diante dos fatos, após ter reunido com minha família, eu, deputado estadual Rinaldo Modesto, solicitei a presidência da corte do tribunal de contas imediata rescisão do contrato de trabalho da qual vincula a prestação de serviço do meu filho Felipe Nunes Modesto de Oliveira, bem como a exoneração da minha filha, Caroline Danielle Macena de Oliveira Rosa.
Aproveito o ensejo para reiterar meu compromisso como homem público de preservar a ética, o respeito e o bom trato com a coisa pública.”
De forma simples, evitando mencionar o partido ao qual pertence, indicando claramente que a omissão ou a ação reparatória partiu do “deputado estadual” e a ele deve ser atribuída qualquer falha, encerrou o assunto.
Se não podemos nos orgulhar de já ter visto esse tipo de atitude no passado, resta a esperança que não sejam incomuns no futuro e, assim como o mal se propaga em diversos (ou todos) os níveis da sociedade, que o bom exemplo também o faça. Afinal, o brasileiro não desiste nunca de esperar.