Apesar da mobilização anti-Dilma, oposição vê esvaziar-se tese do impeachment
Considerada ponto de partida para tornar inevitável a abertura de um processo de impeachment de Dilma Roussef, a manifestação espetaculosamente alimentada pela oposição para 15 de março já começa a distanciar-se desse objetivo, ainda que as ruas do Brasil registrem expressivas mobilizações populares. As denúncias de corrupção envolvendo integrantes do PT e do Governo e a conjuntura econômica contribuem com a onda de insatisfação, democraticamente estabelecidas no direito amplo de cada cidadão ou cidadã de protestar.
Parte considerável de expressivos porta-vozes do anti-dilmismo, desiludidos com a falta de elementos concretos que possam dar embasamento seguro para enquadrar a presidenta, já reconhece que a tese perde a força – um desalento que ainda se reforça com a presença de aríetes oposicionistas nas chamadas “listas malditas” de envolvidos nos escândalos da Petrobras e do Swissleaks (o “caso do HSBC suíço”).
?De juristas e analistas políticos, a partidos como PSDB e DEM, ninho em que se alojam os mais implacáveis opositores de Dilma e do PT, levantam-se algumas vozes – umas ainda tímidas – para reconhecer a inconveniência ou a impropriedade jurídica e política da causa.
GOVERNADORES – Dos cinco governadores eleitos pelo PSDB, três estão na contra-mão da onda pró-impeachment. O primeiro a contestá-la, em discurso firme, foi Marconi Perillo, de Goiás. Primeiro, segundo argumentou, por avaliar que a presidenta precisa ter condições de governabilidade e tem o direito de governar. “Fiz campanha pro Aécio, ele foi muito bem votado em Goiás, mas nós perdemos a eleição. Quem ganhou, governa”. E segundo, por entender que não existe qualquer prova concreta que possa incriminar a presidenta.
O governador Reinaldo Azambuja, de Mato Grosso do Sul, dizendo-se partidariamente disciplinado, não vê elementos capazes de enquadrar Dilma Roussef num processo de afastamento e espera desenvolver boas relações com o Planalto. Mas ressalva: todas as manifestações ordeiras de protesto, inclusive a mobilização pelo impeachment marcada para 15 de março, devem ser respeitadas por sua legitimidade democrática.
E vem do governador do maior estado brasileiro uma espécie de pá de cal política sobre as pretensões dos candidatos a carrascos de Dilma. Geraldo Alckmim, de São Paulo, um dos nomes do PSDB para a sucessão presidencial de 2018, admitindo a existência de uma crise ética e política, não vê, no entanto, razão consistente para sustentar um pedido de impeachment. Alckmim observa que não foi apresentada até agora qualquer prova ou indício de crime de responsabilidade praticado pela presidenta.
LÍDERES CONGRESSUAIS – No Congresso Nacional, principal trincheira dos ataques e manobras contra o governo federal e o PT, graduadas lideranças da oposição já não apostam na derrubada de Dilma. No final de fevereiro, duas das mais combativas lideranças do PSDB pareciam jogar a toalha. O líder da bancada no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), ponderava que mesmo com o governo acuado, a queda de popularidade não é motivo para impeachment. Por sua vez, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), candidato a vice-presidente na chapa de Aécio Neves em 2014, reconhecia a contra-gosto não existir condições políticas para a abertura do processo de impeachment. E ainda comentou que fazê-lo não era um desejo seu. Mesmo assim avisou que vai participar da marcha contra Dilma em março.
JURISTAS – O renomado jurista Ives Gandra, em artigo polêmico e de grande repercussão na “Folha de São Paulo”, advogou a tese do impeachment e descreveu a condição jurídica que, a seu ver, serve de alicerce à tese. Porém, sofreu de colegas e amigos da área duras contestações no campo da argumentação técnica e política. “Não acho, sinceramente, que existe risco de impedimento. O que existe é um escândalo (da Petrobras). No fundo, eles (jornalistas alinhados à oposição) gostariam que algum jurista respondesse àquele artigo de Ives Gandra”, comentou o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello. E arrematou, disparando, em referência à pouca ressonância do artigo de Gandra: “Tanto que nenhum jurista respondeu. Houve um silêncio de morte”.
Incensado especialista em Direito Constitucional, Pedro Serrano põe Ives Gandra entre os juristas que mais respeita. Porém, diz ser inconsistente a pregação do colega. “Tenho que divergir densamente do parecer dele. Acho que não tem a consistência habitual dos seus pontos de vistas jurídicos”, opina. E critica Gandra por defender o impeachment sustentando-se no conceito de culpa, a seu ver inaplicável em Direito Civil para o caso da presidenta.
IMPRENSA – Um dos mais ferozes artilheiros contra o governo de Dilma e o PT, o jornalista da Globo e blogueiro Merval Pereira cede às evidências. “Se já era precipitada a defesa do impeachment a esta altura, sem que dados concretos respaldem a suspeita, agora com processo no STF seria politicamente inviável que uma Câmara presidida por Eduardo Cunha recebesse um pedido de impedimento da presidente ou que o Senado presidido por Renan Calheiros desse prosseguimento ao processo, que seria presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal”, pontuou Pereira.
Nada mais lógico e evidente que, mesmo com tratamento acanhado da grande imprensa, o esvaziamento jurídico-político da tentativa de afastar Dilma Roussef da presidência ganha corpo no próprio embrião que gerou a tese. E a tendência é esvaziar-se ainda mais, à medida que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, for divulgando os nomes de mais personagens acusados no esquema combatido pela Operação Lava-Jato e a Justiça abrir à opinião pública a lista dos correntistas que operavam contas milionárias de dinheiro de origem duvidosa no HSBC da Suiça. Essas listas, quando menos, vão obrigar partidos do governo e da oposição a compartilharem os efeitos negativos da crise ética instalada e tirar de mãos indevidas a espada da moralidade.