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SENTENÇA

Assassinos de Marielle e Anderson, ex-PMs podem ficar menos de 20 anos na prisão

Depois da prisão de Lessa e Élcio em 2019, ao longo dos 4 anos do governo de Jair Bolsonaro, as investigações ficaram estagnadas

Ronnie Lessa e Élcio Queiroz Foto: Marcelo Theobald/Ag. O Globo

A Justiça condenou os ex-PMs milicianos Ronnie Lessa a 78 anos e 9 meses de prisão e Élcio Queiroz a 59 anos e 8 meses pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A sentença foi proferida na 5ª feira (31.out.24). 

Marielle e Anderson foram assassinados em 14 de março de 2018. O carro em que estavam foi atingido por 13 disparos. A vereadora foi seguida desde a Lapa, no centro do Rio, onde participava de um encontro político. A arma usada no crime foi uma submetralhadora HK MP5 de fabricação alemã.

Depois da prisão de Lessa e Élcio, ao longo dos 4 anos do governo de Jair Bolsonaro, as investigações ficaram estagnadas, mas em 2023, no primeiro ano do 3º governo do presidente Lula (PT), voltaram a avançar.  

Lessa, autor dos disparos, e Queiroz, que dirigiu o carro usado no atentado em 14 de março de 2018, foram condenados por unanimidade por duplo homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, assessora de Marielle que sobreviveu, e receptação do veículo usado no crime.

Como os ex-PMs assinaram acordos de delação premiada, que possibilitaram o avanço das investigações, Lessa ficará preso por, no máximo, 18 anos em regime fechado e dois no semiaberto. 

A delação premiada de Lessa foi homologada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, anunciou a autorização da delação no caso nesta 3ª.feira (19.mar.24). "Nós sabemos que esta colaboração premiada, que é um meio de obtenção de prova, traz elementos importantíssimos que nos leva a crer que brevemente teremos a solução do assassinato da vereadora Marielle Franco", afirmou Lewandowski.

Queiroz ficará encarcerado por até 12 anos, a contar de 12 de março de 2019, quando foram presos. 

Em ambos os casos, se a delação for anulada, será aplicada a pena definida no julgamento. 

3ª DELAÇÃO

Élcio Queiroz e Ronnie Lessa estavam presos desde março 2019 aguardando o júri popular. Em setembro de 2022, a Justiça do Rio de Janeiro rejeitou um recurso da defesa e manteve as prisões.

Eles eram réus por duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e recurso que dificultou a defesa da vítima), tentativa de homicídio e receptação. E foram condenados por todas as acusações.  

O ex-policial militar Élcio Queiroz firmou uma delação premiada com a Justiça.

Quase no fim do primeiro semestre do governo do presidente Lula (PT), o então ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que Élcio Queiroz firmou delação e confessou sua participação na assassinato da vereadora e do motorista. Élcio afirmou que a execução foi feita por Lessa e revelou a participação do ex-sargento do Corpo de Bombeiros, Maxwell Simões Corrêa.

No mesmo dia em que Élcio delatou, na 2ª feira (24.jul.2023), como mostramos no MS Notícias, foi deflagrada pela Polícia Federal e Ministério Público do Rio de Janeiro, a 1ª fase da Operação Élpis (a deusa grega da esperança), que resultou na 2ª prisão de Maxwell, conhecido pelo apelido Suel.

Élcio alegou que apenas dirigiu o carro utilizado no crime e que o veículo pertencia a Suel. O ex-bombeiro já havia sido preso pela 1ª vez em junho de 2020, depois de ser ligado ao crime. Na ocasião, acabou condenado há 4 anos de prisão em 2021 por atrapalhar as investigações, mas cumpria a pena em regime aberto. Levado ao regime fechado, Suel foi o 2º a aceitar acordo de delação.  

Após as confissões dos comparsas, Lessa foi o 3º do grupo criminoso a aceitar fazer delação. 

Ligado aos bolsonaros, Lessa era o 'intermediário' entre o mandante, Élcio e Suel. Aprovada, a delação de Lessa deu detalhes sobre o mandante e os financiadores do assassinato da vereadora e do motorista.

Na época o clã Bolsonaro ficou agitado, pois Lessa era vizinho do então deputado federal Jair Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro. Os dois também eram conhecidos por frequentar os mesmos círculos sociais. Nos bastidores, havia o temor de haver qualquer relação da ex-família presidencial com o crime contra a vereadora de esquerda.  

QUEM MANDOU MATAR MARIELLE FRANCO?

Irmãos, Domingos Brazão e Chiquinho Brazão. Foto: Reprodução

As investigações, porém, chegaram a uma outra família política como mandante do assassinato da vereadora do PSOL: os irmãos Domingos Brazão (PMDB) e seu irmão, Chiquinho Brazão. Os dois estão presos como mandantes do assassinato da vereadora e do motorista Anderson Gomes

Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio, também preso por envolvimento no assassinato. Sete pessoas estão presas até o momento no caso Marielle, incluindo Ronnie Lessa, apontado como autor dos disparos, e Élcio de Queiroz, que confessou ter dirigido o carro usado na execução.

Os irmãos Brazão e o chefe da Polícia Civil no Rio de Janeiro estão presos pelo assassinato de Marielle Franco. Fotos: Arquivo

Domingos Brazão foi citado no relatório da CPI das milícias como político influente na região e sua família estava ligada a atividades imobiliárias ilegais (a íntegra do relatório final da CPI). Na época, uma das famílias contrárias a CPI da milícias era a de Jair Bolsonaro, que fez um discurso na câmara criticando a CPI das Milícias. A íntegra. O relatório indiciou 200 pessoas, mas poucas medidas foram adotadas pelas autoridades para prevenir a expansão e a atuação desses grupos criminosos no estado do Rio de Janeiro, segundo o deputado estadual Marcelo Freixo, que presidiu os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito em 2008.

Em 2019, dois arguidos membros das milícias mencionaram o nome de Pedro Brazão no âmbito de atividades ilegais e acabaram por ser detidos na operação Intocáveis.

Nadinho, ex-vereador, também revelou que Domingos Brazão fez campanha em áreas controladas por milícias.

Brazão foi delatado pelo ex-PM bolsonarista Ronnie Lessa. 

Em entrevistas anteriores com a imprensa, Domingos Brazão sempre negou qualquer participação no crime.

POSSÍVEL MOTIVAÇÃO DE BRAZÃO

Domingos Brazão é ex-membro do Movimento Democrático Brasileiro, foi acusado em 2019 por dificultar a investigação do caso do assassinato de Marielle Franco. Ele já havia sido afastado do cargo de conselheiro do TCE por denúncias de propina em 2017. A principal hipótese do assassinato de Marielle era o desejo de vingança de Brazão contra Marcelo Freixo, ex-deputado estadual pelo Psol e atual presidente da Embratur. Freixo e Brazão mantinham uma rivalidade de longa data, enquanto Marielle trabalhou com Freixo antes de ser eleita vereadora em 2016. A possibilidade de Brazão ter agido por vingança foi considerada durante as discussões de federalização do caso Marielle em maio de 2020.

“Cogita-se a possibilidade de Brazão ter agido por vingança, considerando a intervenção do então deputado Marcelo Freixo nas ações movidas pelo Ministério Público Federal, que culminaram com seu afastamento do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro”, diz o relatório da ministra.

“Informações de inteligência aportaram no sentido de que se acreditou que a vereadora Marielle Franco estivesse engajada neste movimento contrário ao MDB, dada sua estreita proximidade com Marcelo Freixo”, escreveu Vaz.

INQUÉRITO POLICIAL SOBRE MILÍCIA EM RIO DAS PEDRAS É REABERTO

De acordo com o Intercept Brasil, o Ministério Público iniciou uma nova análise dos documentos relacionados ao inquérito policial sobre a milícia em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro. Tanto a polícia civil quanto o MP estão trabalhando em conjunto para investigar a conexão desse grupo com a família Brazão e o Escritório do Crime. A família Brazão é um importante grupo político no Rio de Janeiro, composto por Domingos, Manoel Inácio Brazão - também conhecido como Pedro Brazão - e Chiquinho, colega de Marielle na Câmara dos Vereadores na época do assassinato.

LIGAÇÃO COM O CLÃ BOLSONARO

Assim que saiu a notícias de que Brazão era um dos mandantes, a extrema direita, incluindo Carla Zambelli e Deltan Dallagnol foram às redes tentar relacionar Brazão com políticos de esquerda, dentre eles, a ex-presidenta Dilma Rousseff. No entanto, a família mais ligada ao clã Brazão é o Clã Bolsonaro.   

Os passaportes diplomáticos dados por Jair Bolsonaro  (PL) à esposa e ao filho do deputado federal Chiquinho Brazão (União) é apenas um dos laços que ligam as duas famílias, que têm laços históricos com a milícia que atua na região de Rio das Pedras, na zona Oeste do Rio de Janeiro.

Domingos Brazão atuou em dobradinha com Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a quem tinha como uma espécie de pupilo. "Vossa excelência é um deputado jovem e, mesmo assim, percebe-se, não somente pelas suas afirmações de hoje, mas pela sua postura em plenário, que vossa excelência procura preservar o que há de melhor, a maior instituição, que é a família. Infelizmente, há aqueles que apostam no contrário. Vejo parlamentares apresentarem projetos que visam liberar casamento de homem com homem, mulher com mulher e outras coisas. V.Exa., embora sendo jovem, ainda mantém essa postura firme, que, com certeza, é fruto da educação de seus pais, uma questão de criação", disse Brazão dirigindo-se a Flávio Bolsonaro na sessão de 4 de março de 2006 da Alerj.

O elogio ocorreu após o filho de Bolsonaro elogiar o projeto de Brazão para conceder o título de cidadão ao pastor Sebastião Ferreira, da Primeira Igreja Batista de Vila da Penha, que morreu em 2017.

RELAÇÃO ENTRE BRAZÃO E FLÁVIO BOLSONARO

Flávio Bolsonaro e Domingos Brazão na Alerj.

Domingos Brazão e Flávio Bolsonaro já trabalharam juntos em várias propostas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Em 2014, Brazão foi relator do projeto de Flávio para estabelecer o programa "Escola Sem Partido" no sistema de ensino fluminense. Naquele ano, ambos trabalharam juntos na Comissão de Constituição e Justiça da casa.

MILÍCIAS E ESCRITÓRIO DO CRIME

Além das questões de costumes, Flávio Bolsonaro e Domingos Brazão colaboraram na defesa das milícias do Rio de Janeiro. Em 2006, quando Marcelo Freixo criou a CPI das Milícias, apenas os dois se posicionaram contra a investigação.

Ronnie Lessa, que delatou Brazão, morava a cerca de 100 metros da casa do clã Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra. De acordo com o escritor Bruno Paes Manso em seu livro "A República das Milícias", Lessa mantinha contato com o Escritório do Crime e com milicianos de Muzema, ligados ao Capitão Adriano. Manso também menciona a relação de Lessa "com figurões como Rogério de Andrade e Domingos Brazão".

O Capitão Adriano é Adriano da Nóbrega, que liderava o Escritório do Crime e empregou a mãe e a ex-esposa no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj. Segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), ambas faziam parte do esquema de "rachadinha" no gabinete. O miliciano foi morto em 2020 e foi apresentado ao clã Bolsonaro por Fabrício Queiroz, que também tem ligações com a milícia de Rio das Pedras.

Durante as investigações sobre a morte de Marielle Franco, o MP-RJ apreendeu uma agenda com a esposa de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar. Na agenda-guia, que deveria ser usada por Márcia para ajudar a família caso Queiroz fosse detido, há um coronel identificado como amigo de Queiroz e "braço direito do Brazão (sic)", uma possível referência a Domingos Brazão. Na caderneta ainda haviam nomes de pessoas ligados ao clã Bolsonaro e também a Adriano da Nóbrega.

Outra ligação entre Flávio e Brazão, que faziam parte da bancada da "segurança pública" na Alerj, é o ex-assistente de câmera Luciano Silva de Souza. Em 2019, Brazão nomeou Souza para o cargo de subdiretor da TV Alerj, o mais alto na hierarquia do departamento, e ele ficou responsável por gerir um contrato de cerca de R$ 800 mil por mês (quase R$ 10 milhões anuais) com a empresa terceirizada Digilab. Em seu currículo, Souza mencionou sua participação em recentes campanhas eleitorais do PSL, como a de Flávio Bolsonaro para o Senado.