Odilon e Delcídio
Urnas, implacáveis, desmontam castelos erguidos sem humildade e sobre frágeis alicerces
Da glória ao deprimente ocaso na política, ex-celebridades sofrem contundente rejeição dos eleitores em Campo Grande e Corumbá
Duas figuras públicas que já estiveram nos mais elevados patamares de conceito e admiração da sociedade, conheceram os sabores da fama e tiveram nas mãos a chance de coroar sua trajetória com reconhecimentos de excelência, experimentam agora dias amargos dentro de um poço obscuro de descrédito, desconfiança e rejeição. O juiz federal aposentado Odilon de Oliveira e o ex-senador Delcídio Amaral acabam de vivenciar mais uma – talvez a derradeira – frustrada aventura eleitoral, contraponto implacável dos escorregões causados pela soberba e comportamentos individualistas e contraditórios que os fizeram perder a confiança da sociedade.
As urnas não mentem. Seus números são reveladores. Odilon de Oliveira aposentou-se da toga nos píncaros da glória, como ilustra a canção de Vicente Celestino. Era a exemplar referência da magistratura corajosa, cunhada no combate decidido ao crime organizado. Cercado de seguranças, suas decisões e feitos ganharam coberturas midiáticas dentro e fora do País. No entanto, impelido ou não pela vaidade, ao aposentar-se resolveu entrar na política e atender apelos sem conta para que viesse moralizar e criar um novo parâmetro na política sulmatogrossense. Só que não.
TRAIÇÃO - Já na primeira experiência na disputa de cargo eletivo, ao candidatar-se ao governo pelo PDT, ignorou totalmente os imperativos ideológicos e partidários a que deveria se submeter como filiado. Fez uma campanha por conta e risco próprios, lambuzou-se de incoerências – entre elas a traição ao ideário pedetista, ao bandear-se para o bolsonarismo em plena campanha, espingardeando a aliança do PDT com o PT.
Toda a população assistiu o até então beatificado Odilon de Oliveira tentando desviar o próprio partido do apoio à candidatura presidencial de Lula para encaixá-lo no colo de Jair Bolsonaro. Deu até uma desculpa, das mais amareladas, afirmando ser conservador, portanto, identificado com as pautas bolsonaristas, absolutamente opostas ao trabalhismo idealizado por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. O resultado, previsível: Odilon chegou ao segundo turno e só, foi derrotado por Reinaldo Azambuja (PSDB).
Mesmo perdendo, a votação de Odilon criava pequena expectativa de seguir crescendo. Não cresceu como imaginava sua presunção. Conseguiu em 2020 eleger o filho vereador. Odilonzinho foi o segundo mais votado, com 6.825 votos. Mas quatro anos depois o pai viu o rebento ser reprovado pelas urnas na tentativa de reeleição, obtendo magros 1.534 votos. Era um primeiro sinal da decadência política e eleitoral, confirmada agora, em 2024. No lugar do filho, ele, o pai, candidatou-se à Câmara Municipal.
Afinal, para o gigante combatente do crime organizado, ter uma votação de vereador seria fichinha. Não foi. Ficou de fora da lista dos 29 eleitos e teve ainda o desprazer de constatar que seu desempenho estava bem abaixo de dezenas de ilustres desconhecidos e muito distante do grupo dos futuros parlamentares – teve 2.435 votos. Um desfecho melancólico, mas previsível, para quem julgava estar preparado para enfrentar inimigos ou adversários e certamente não estava para enfrentar e vencer a si mesmo. Pode ter sido o único e maior erro de julgamento em sua vida.
“ESTRANGEIRO” DE CASA – Mesmo nascido em Corumbá, Delcídio do Amaral Gomes é tratado como forasteiro por muitos de seus conterrâneos. E a prova mais dura ele acaba de conhecer agora, pela voz das urnas. Mas antes de informar esse resultado, é preciso recuar no tempo e saber que este fazendeiro e empresário bem-sucedido, que saiu cedo de sua cidade natal para abrir caminhos importantes no Brasil e no exterior, ficou tanto tempo ausente do torrão natal que precisa, com frequência, lembrar a todos a origem inscrita em sua certidão de nascimento.
Foi assim durante esta campanha para prefeito, na qual procurou o tempo todo, e à sua maneira, esquivar-se dos percalços e senões recentes de cobranças sua trajetória na vida pública. Ele, e toda Corumbá sabe disso, foi um dos políticos mais poderosos na era Lula-Dilma. Viveu no PT os seus dias de pop-star, assediado pela imprensa, eleitores e fãs, cultuado por quem se impressionava com seu perfil de galã, voz calibrada e soluções a granel para todo e qualquer problema.
Ele só descobriu o PT depois de não ser bem recebido por partidos de centro e de direita, como o PSDB. Pelas mãos do governador Zeca do PT e do deputado federal Vander Loubet, que desafiaram a desconfiança dos dirigentes partidários, assinou a ficha petista e com a marca política da moda ganhou sua primeira eleição, de senador, em 2002, com 496,8 mil votos. E se reelegeu em 2010, surfando na onda dos bambambans, com impressionantes 826,8 mil votos.
Estava quase tudo bem encaminhado para o então todo-poderoso líder do Planalto no Congresso Nacional enfeitar de vez sua existência ganhando uma disputa para o governo estadual. Tentou duas vezes, não obteve sucesso. E nessa marcha acabou sendo fisgado pela “Operação Lava Jato”. Em novembro de 2015 foi preso, sob a acusação de tentar obstruir investigações da Polícia Federal. No plenário do Senado, seus colegas o condenaram por unanimidade à perda do mandato.
Absolvido depois pela Justiça Federal, retomou os direitos políticos, mesmo sem ter anulado a sentença de cassação do mandato. Para ir à forra, tentou sucesso nas eleições de 2018 e 2022, mas fracassou. E novo fracasso veio agora, decretado pelos eleitores de sua querida “Cidade Branca”, que o fizeram o último dos quatro concorrentes ao Executivo. Sua votação foi das mais medíocres e acachapantes: apenas 5.043 votos. Perdeu até para um quase desconhecido, André Campos (PL), que teve 5.944 votos. Continua garboso, bem falante, fluente, mas já sem brilho. É como a estrela cadente que teve sua efemeridade numa luz que pensava ser eterna.