VERGONHA INTERNACIONAL
Gafes e desrespeito mancham expedição de Cavol na Rota Bioceânica
Deputado critica denominação inadequada dada ao corredor e estranha caminhão seguindo por outra estrada
Todo o espetaculoso aparato que envolveu a saída de uma expedição com 100 pessoas em 38 caminhonetes Amarok rumo ao Chile serviu para agigantar a tosca organização do evento, que rendeu — particularmente, a Mato Grosso do Sul — uma profunda vergonha internacional.
A viagem já havia sido preparada e iniciada com um grave equívoco na sua denominação: III Expedição da Rota de Integração Latino-Americana (Rila), identificação criada — sabe-se lá com que motivação ou interesse — por quem não se preocupou em ao menos respeitar e reconhecer fatores culturais e humanos. Ao longo de uma história secular, o sonho de fortalecer os laços e a unidade da América Latina desenvolviam a ideia de construção de uma Rota Bioceânica. Esta é sua identificação original, seu verdadeiro nome de batismo mundialmente reconhecido.
Frentistas institucionais da expedição, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc) e o Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística de Mato Grosso do Sul (Setlog/MS), pilotados por Jaime Verruck e Cláudio Cavol, deram a largada na sexta-feira, 24. Porém, a celebração que tomou conta dos veículos jornalísticos logo virou frustração e vergonha para os organizadores.
Enquanto as caminhonetes saíram pelo caminho da Bioceânica, que liga Porto Murtinho ao Porto de Iquique, no Chile, no mesmo dia outro veículo inscrito na expedição seguiu um itinerário diferente para entrar no Paraguai por Pedro Juan Caballero, divisa com Ponta Porã. E foi nesta cidade que chegou ao fim a viagem internacional do caminhão e sua carga: 12 toneladas de carne bovina do Friboi (JBS). Era uma encomenda para os chilenos e acabou sendo barrada na alfândega por falta de documentação.
RETENÇÃO
O comboio de caminhonetes chegou a Iquique e o caminhão com a carne passou quatro dias retido na alfândega até retornar a Campo Grande. Não se sabe ainda quem foi o responsável direto pela remessa de uma carga ao exterior sem os documentos obrigatórios de exportação. A Semadesc alega que, por causa das chuvas, a estrada pelo Paraguai ficou intransitável para caminhões com esta quantidade de carga.
O que se sabe é que a Rota Bioceânica tornou-se um trampolim para oportunistas. Muitos que ontem zombavam e até chamavam de loucos quem defendia esta ideia, hoje pegam carona no sucesso de um sonho que avança em obras de ritmo febril, como a ponte sobre o Rio Paraguai e a rodovia que liga aquele país a Porto Murtinho.
Cláudio Cavol, presidente do Setlog, não pode alegar que desconhece a origem e a identificação real deste corredor plurinacional. Ele não poderia ignorar uma história da qual participou, quando acompanhou um trecho da luta espartana de Heitor Miranda dos Santos, que dedicou a maior parte da vida pública e pessoal mantendo desfraldada a bandeira da Rota Bioceânica. Este é o nome que, entre outros protagonistas, identifica Heitor Miranda — e tentar substituí-lo terá sido um cruel desrespeito à sua memória.
PROTESTO
Na Assembleia Legislativa, o deputado estadual Zeca do PT foi à tribuna questionar os responsáveis pelos "furos" da malograda expedição. Disse que considera importante acompanhar e saber como estão as obras da ponte sobre o Rio Paraguai e da rodovia no país vizinho. Mas estranhou que numa comitiva de 100 pessoas e mais de 35 veículos alguns detalhes causaram vergonha e suspeitas.
"Duas coisas me causam estranheza. O caminhão que saiu daqui com toneladas de carne foi parar em Ponta Porã. Ou se tem um enorme equívoco nisto ou má fé. A Rota Bioceânica não passa por Ponta Porã, nem por Pedro Juan Caballero. É por Porto Murtinho. É lá que se levantariam os problemas aduaneiros eventualmente existentes", afirmou.
Salientou ter estranhado também a identificação dada ao comboio por seus organizadores: "Não sei porque o tal do Cavol inventou de mudar o nome da Rota Bioceânica para Rila. Ele não tem qualquer autoridade política — nem ele, muito menos o mal-sucedido prefeito de Porto Murtinho [Nelson Cintra], para alterar o nome daquilo que é cultura e tradição, é dos pioneiros que já se foram, e são muitos".
Zeca do PT reiterou a necessidade de respeitar a história e dar aos seus verdadeiros protagonistas o devido crédito. E voltou a cobrar o uso da denominação adequada do corredor entre Porto Murtinho e o Chile: "Não tem nada de Rila. É Rota Bioceânica, é saída para o Pacífico. E não tem nada que caminhão passar por Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, a não ser que tenham má fé e queiram tentar levar a estrada por Concepción [cidade paraguaia].