INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Relatório aponta riscos e benefícios do uso de IA no Brasil
Escolhas que o governo e a sociedade brasileira fizerem em relação à IA serão determinantes para o futuro do país, diz levantamento
O primeiro relatório produzido por um grupo de 16 cientistas de diferentes áreas e instituições a pedido da Academia Brasileira de Ciências (ABC) discute sobre os possíveis riscos e benefícios da inteligência artificial (IA) no país. O relatório "Recomendações para o avanço da inteligência artificial no Brasil" foi lançado na sede da ABC, no Rio de Janeiro, nesta 5ª feira (9.nov.23), sendo encaminhado posteriormente ao governo federal.
O professor titular do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Edmundo Albuquerque de Souza e Silva, membro da ABC e porta-voz do relatório, afirmou que a IA é uma tecnologia disruptiva, que avança rapidamente e pode gerar impacto significativo na economia e no emprego, principalmente para aqueles que têm um alto nível de conhecimento. Na análise do professor, o Brasil precisa ter um conhecimento especializado para dominar a tecnologia, caso contrário, há um grande risco de dependência tecnológica em relação a outros países.
O relatório enfatizou que as escolhas que o governo e a sociedade brasileira fizerem em relação à IA serão determinantes para o futuro do país. Se o investimento na área não for adequado, o Brasil corre o risco de um declínio tecnológico e se tornar dependente de países que lideram o desenvolvimento de tecnologias avançadas.
CHATGPT
De acordo com Souza e Silva, o uso da ferramenta chatGPT sem conhecimento adequado pode resultar em respostas profundas e incorretas. O chatGPT, desenvolvido pela OpenAI em 2022, é um sistema de IA que pode conversar sobre vários tópicos com os usuários por meio de comandos escritos. Ele ressaltou que a falta de consciência crítica pode levar a população a aceitar informações imprecisas da tecnologia.
A ABC recomendou educar as pessoas sobre tecnologia e desenvolver o pensamento crítico para usar a IA de maneira benéfica. Para a academia, a IA tem o potencial de aumentar a produtividade, mas é preciso estar atento aos possíveis erros que podem causar grande impacto.
Souza e Silva destacou a necessidade de investir em pesquisas científicas para aprimorar a tecnologia. Para ele, IAs podem ser usadas para auxiliar pesquisas em escolas e universidades e desenvolver tutoriais especializados. No entanto, a especialização em áreas relacionadas à IA, como aprendizado de máquina e ciência de dados, será cada vez mais importante para os profissionais do futuro. Souza e Silva ressaltou a possibilidade de automação de programas de computação simples e a dispensa de trabalhadores menos especializados. Ele reforçou que importante educar as pessoas sobre as habilidades necessárias para acompanhar a Revolução Industrial da IA e a transição para essa nova era tecnológica.
Campanha nacional
RECOMENDAÇÕES
O relatório mostra a necessidade de realização de campanha nacional de informação, para que a população entenda o que é inteligência artificial, que o assunto deve ser ensinado nas escolas e se criem centros específicos de pesquisa nas universidades sobre essa matéria. “É imperativo que o Brasil estabeleça políticas públicas e investimentos para reverter a tendência de atraso sem demora”, diz o documento. Souza e Silva indicou que deve haver um pacto em IA entre ciência, setores público e privado, entidades organizacionais e levar ao conhecimento da sociedade o que é essa nova tecnologia e como devemos lidar com ela, criando-se mecanismos que possam diminuir os riscos a fim de evitar problemas para todas as áreas, como medicina e advocacia.
Diretor da ABC, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do grupo de trabalho, o professor Virgílio Almeida destaca a importância de investimentos em pesquisa e desenvolvimento em IA para que o Brasil não seja apenas um consumidor dessa tecnologia fornecida por outros países. “É preciso começar logo, porque esse desenvolvimento voa e outros lugares estão investindo, acelerando e criando políticas sobre o tema. O Brasil, por seu tamanho e importância, não pode ficar atrás. Do contrário, aumentará a distância entre o crescimento econômico aqui e o do mundo desenvolvido”, comentou.
BENEFÍCIOS
O professor Souza e Silva assegurou que o potencial de aplicação benéfica da IA é muito grande, por exemplo, na educação. “Poder agilizar a maneira como você educa as pessoas, como apresenta riqueza de material com tecnologia já desenvolvida.”. Para os professores, facilita no ensino das disciplinas e eles podem se concentrar mais na parte crítica, desenvolvendo o conhecimento crítico dos alunos. A nova tecnologia pode ajudar a promover a criatividade e curiosidade e a fornecer conteúdos personalizados aos alunos, entre outras estratégias, com o objetivo de reduzir o abandono escolar.
Na área de saúde, a tecnologia pode ajudar no diagnóstico e identificação de doenças, na personalização de tratamentos e no uso de robôs em procedimentos médicos. Os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) podem ser utilizados para desenvolver políticas públicas, “aprendendo com os dados e usando técnicas de IA para tratar essas informações e entender o que está acontecendo com a população”. Souza e Silva ressaltou, contudo, que não se pode delegar à IA a competência de dar o diagnóstico sem o médico, porque o erro que isso pode gerar é muito grande. A IA pode auxiliar o médico a ver coisas que seriam mais difíceis de serem detectadas. “Mas o médico tem que estar preparado para usar essa ferramenta e saber criticar a informação”.
O documento se refere também às aplicações da IA em energia, ajudando na prevenção de fenômenos climáticos e na tomada de decisões. Na biodiversidade, pode ser usada para prever problemas relacionados às mudanças climáticas, acelerar a proteção do meio ambiente, o monitoramento de animais. “Tem uma gama enorme de aplicações onde a IA já está sendo usada”. As empresas podem usar a tecnologia no atendimento a clientes, trazendo informações mais precisas, e ainda na otimização de processos e no avanço de novas formas mais humanas de automação, cita o relatório. “É um facilitador quando usa a IA de maneira correta e crítica”, afirmou o professor.
RISCOS
O documento da ABC defende a regulamentação da IA para minimizar os riscos que essa tecnologia avançada pode gerar. Entre as preocupações está a violação de privacidade, uma vez que dados de usuários de internet são utilizados para treinar IAs generativas. Outro risco é que algoritmos usados em sistemas de IA, ao serem treinados por humanos, disseminem preconceitos e aumentem desigualdades. “Há um risco social e ético que nós, como sociedade, temos que estar cientes e educados para o impacto que isso pode causar”, observou o professor da Coppe/UFRJ.
Souza e Silva disse que uma legislação precisa ser criada para punição de responsáveis pela criação de textos falsos. “Tem que ter uma regulação mais complicada, sem tolher a sociedade. O que está sendo debatido é o que existe na legislação que pode ser aprimorado e criar um debate com a sociedade. Nós temos que abrir os olhos e debater o problema”.
O documento recomenda estabelecer regras e limites sobre o uso da IA, mas destaca a necessidade de participação da comunidade científica nas discussões. De acordo com o professor Virgílio Almeida, o desafio é duplo: proteger a sociedade e não atrasar o desenvolvimento tecnológico. Souza e Silva afirmou ainda que a ideia é que este seja um primeiro documento sobre IA que será aprofundado pela ABC.
O grupo de trabalho contou com a participação de pesquisadores de diferentes áreas, como ciências da computação, ciências sociais, física e saúde, entre outras. Além de Virgílio Almeida e Edmundo Albuquerque de Souza e Silva, participaram Adalberto Fazzio, André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho e Fabio Gagliardi Cozman (Universidade de São Paulo); Altigran Soares da Silva (Universidade Federal do Amazonas); Anderson da Silva Soares (Universidade Federal de Goiás); Elisa Reis (UFRJ); Helder Nakaya (Hospital Israelita Albert Einstein); José Roberto Boisson de Marca (Pontifícia Universidade Católica do Rio); Luís Lamb (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); Mário Veiga Ferraz Pereira (PSR, agência de consultoria em energia); Nivio Ziviani e Wagner Meira Júnior (UFMG); Soraia Raupp Musse (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul); e Teresa Bernarda Ludermir (Universidade Federal de Pernambuco).
- Edição: Graça Adjuto.
- Fonte: Agência Brasil.