LUTO NA MÚSICA
O Sol canta com a Lua; últimos encontros e enterro da cantora 'Delinha'
Velório aberto permitiu que centenas de fãs se despedissem da 'Dama do Rasqueado' (vídeos e imagens)
Delanira Pereira Gonçalves, conhecida como Delinha, morreu na madrugada desta quinta-feira (16.jun.22), aos 85 anos. Às 14h desta mesma quinta, a Câmara Municipal de Campo Grande havia retirado as cadeiras do plenarinho para dar espaço ao corpo da cantora, para que ali ocorresse o velório aberto para os fãs se despedirem de uma das maiores cantoras chamamezeiras de Mato Grosso do Sul e do Brasil.
"Ela se foi feliz com sua música chegando em todo o Brasil. Ela viu a homenagem, a música dela sendo tocada na novela Pantanal, ficou feliz demais com o Gabriel [Sater] tocando", detalhou o radialista e cantor João Paulo Pompeo, filho único que Delinha teve com Délio José Pompeu, ex-esposo e dupla musical.
A reportagem do MS Notícias chegou ao local do velório por volta das 14h30, junto a dezenas de fãs que começaram a ocupar as cadeiras na Câmara para esperar o momento de se despedir. Uma a um, organizados em fila, os fãs passavam pelo caixão da cantora. Uns acariciavam, emocionados, deixavam flores sobre o corpo.
A cerimônia católica contou com orações e música caipira. No ‘braço de um violão’, João se uniu a sanfoneiros, trompetistas e violeiros e após as orações, eles cantaram sucessos da dupla chamamezeira.
Para João, o maior ensinamento que fica de sua mãe é a humildade. "Ela era simples e incrível. A artista morre, mas sua obra será eternizada. Eu vou tocar em todo canto, na minha versão, como ela sempre me incentivou".
O filho também revelou que a música que ele mais gosta de 'Delio e Delinha' é 'Sorte Amor e Canção'. "Que inclusive foi tocada na minha formatura de Rádio e TV..., mas as faixas deles são lindas e sou apaixonado por muitas músicas, pela poesia e amor que ela tinha pela música, isso entrava em suas letras", opinou.
Amiga, a cineasta Marinete Pinheiro, que fez um filme documentário sobre a vida de Delinha, chamado “Dama do Rasqueado”, contou que duas coisas Delina a deixa como ensinamentos. “Tem duas coisas, a Delinha era uma cantora que cantava como uma missão de vida, ela nunca cantou para ‘ser famosa’, ela tinha isso como missão de vida. Essa missão de vida que ela tem pela música eu tenho pelo cinema. A outra coisa é a simplicidade dela.... uma pessoa humilde e verdadeira na arte e na vida”, destacou.
Mostramos mais cedo aqui no MS Notícias que 'Delinha' estava enfrentando um quadro de pneumonia, mas Marinete disse que tudo começou com um tombo que ela levou em 15 de abril de 2021. "Ela me disse que desde que ela tomou o tombo e bateu a cabeça ela não saia mais do hospital. Na última conversa que tive com ela, fomos na casa dela o Eduardo Romero e eu (veja abaixo, mais detalhes desta visita), logo depois que ela teve alta do hospital. Ela encomendou pastéis para nós e tomamos café... Ela estava com a perna inchada, ofegante, eu nunca a tinha visto tão mal, em dado momento, ela chamou a cuidadora e falou para ela: ‘vem aqui e ajuda eu conversar!’ Isso me assinalou que a Delinha não estava bem", revelou a cineasta.
Conforme João, de fato, há algum tempo Delinha estava com quadro de saúde bastante debilitado. “Não quisemos divulgar isso, mas há 20 dias, quando ela voltou para casa, já respirava com ajuda de aparelho. Quando foi na madrugada de hoje, Deus a chamou, durante o sono”, esclareceu o filho.
João ainda disse que após sua mãe ter alta e ter sido levada para casa pois gostaria de ficar lá, teve todo atendimento no modo 'home care' da empresa Unimed. "Eu quero agradecer cada um dos profissionais, enfermeiras, médicos e médicas, pelo carinho que eles trataram minha mãe. Eles cuidaram dela com um amor, carinho e atenção. A gente só sabe a importância das pessoas como as cuidadoras, quando a gente tem um familiar precisando. Elas foram incríveis com minha mãe. Minha mãe está no céu agora", completou.
VALORIZAÇÃO ARTÍSTICA
Bartolina Ramalho Catanante, a Professora Bartô, citou a referência que é Delinha para a cultura brasileira. “Ela é um patrimônio cultural, é fantástica. Nós passamos a vida ouvindo a Dama do Rasqueado, isso tudo é identidade sul-mato-grossense, para mim ela representa isso. É uma importância de cultura e referência de identidade”, traduziu.
Bartô ainda citou que apesar de tudo o que ‘Delinha’ é para a cultura, o poder público não prestou em vida a ela o devido reconhecimento. “Uma mulher dessa e o poder público não cria nada que pudesse reconhecer o valor cultural dela enquanto pessoa, enquanto artista. Há quantos anos ela vinha provando que tem um valor sem igual. Há duas décadas ela já estava idosa, ela tinha que ser reconhecida em vida. Isso nos alerta para que cobremos que nossos artistas sejam valorizados, os próximos que nós temos aí, idosos, esquecidos pelo poder público... a pessoa idosa, artista, acaba ficando a preocupado com a sobrevivência em Mato Grosso do Sul, o certo, no entanto, seria esse artista ter condições de agora finalmente poder fazer sua arte sem a obsessão econômica”, disse Bartô.
Romilda Pizani, Educadora Social, e representante do Fórum de Cultura de Mato Grosso do Sul esteve no velório. Ativista da classe artista, além de lamentar a partida de ‘Delinha’, Romilda também citou a situação da valorização aos artistas idosos de MS. “Reforça o quanto nós precisamos avançar nas políticas públicas culturais. Devemos atender e reconhecer esses artistas idosos. Isso é essencial para o artista em sua terra”, opinou. Conforme Romilda, enquanto Fórum de Cultura, eles pretendem fazer uma assembleia para discutir como auxiliar o poder público na criação de mecanismos para valorização dos artistas idosos de MS.
QUATRO DÉCADAS SENDO FÃ
O servidor público, Elias Rodrigues Santana, de 48 anos, é fã de Delinha há quase 5 décadas. Ele esteve no velório com uma plaquinha em papelão manifestando a seguinte frase: “Hoje o Sol vai cantar com a Lua. Obrigado!”.
“Essa música marcou muito porque a minha mãe cantava. Eu escuto ‘Delinha’ desde garoto, quando ouvi pela primeira vez que me lembro, acho que tinha 5 para 6 anos. Ela é um exemplo de artista, foi a São Paulo levando nossa música para o Brasil. Eu não tenho como a agradecer, mas vim fazer minha homenagem sincera nessa última despedida dela”.
ÚLTIMA VISITA DA AMIGA CINEASTA E DO SECRETÁRIO
O secretário de Cultura e Cidadania de Mato Grosso do Sul, Eduardo Romero, falou sobre a visita que fez à Delinha juntamente com Marinete. “Tomamos café, demos muitas risadas e falamos sobre as coisas da vida... Ela, com aquele jeito peculiar de sempre, ainda com um pouco dificuldade de respiração, mas falando espontaneamente, sorrindo. Ela contando, né? Da vontade que ela estava de poder superar logo essa fase. Voltar a fazer o que ela mais gosta, que era estar com os amigos, fazer as apresentações, os shows, se divertir, dar risada, beber e viver a vida...”, relembrou.
Marinete você se sente com dever de documentarista cumprido de ter eternizado a história de Delinha?
“Acho que a gente assume uma responsabilidade muito grande enquanto documentarista, não falo sobre esse ponto de ‘dever’ que as pessoas perguntam, mas sou muito grata de ter feito esse filme, de ter mostrado para a Delinha e ela ter realmente se emocionado com o filme. O sentimento que estou agora é de gratidão pela música e pela história dela”.
Eduardo Romero, no seu último encontro com Delinha, sobre o que vocês conversaram?
“Nossa conversa foi mais nessa linha de... como a vida é bacana, como ela é gostosa e como a gente pode construir uma boa história. Uma frase que me marcou foi que ela falou assim: ‘olha, eu não tenho arrependimento de nada. Apesar de uma vida que sempre foi desafiadora e sofrida, mas eu tenho vivido a vida que pedi à Deus. Nesse momento, um pouco de complicações de saúde, mas não reclamo, não reclamo de nada porque a vida tem sido generosa comigo’, essas foram as palavras dela”, reproduziu o secretário.
Romero ainda disse que as últimas lembranças que tem de ‘Delinha’ são de sorrisos numa tarde muito gostosa. “Quem teve a oportunidade de conviver com a ‘Delinha’ sabe o quanto ela era contagiante de boas energias. Sempre com alto astral, sempre com uma frase pronta, com um sorriso no rosto. Foi uma tarde muito gostosa, regada a um café, regada a pasteizinhos, conversas e risos, essa é a última lembrança que eu tenho dela”, finalizou.
O SEPULTAMENTO
O velório encerrou às 16h. Então, um cortejo fúnebre feito em carro aberto do Corpo de Bombeiros seguiu em direção ao Cemitério Jardim da Paz, na saída para Sidrolândia. Apesar de distante, grande parte dos fãs seguiram para ver Delinha pela última vez.
Já no cemitério, o caixão foi novamente aberto. Mais palavras religiosas e novamente, músicas sucessos de ‘Délio e Delinha’ foram cantadas e tocadas. Salva de palmas e clamores a chamamezeira.
Nesse momento, João desmanchou em lágrimas: “Eu quero agradecer todo esse carinho com minha mãe, ela está muito feliz”, resumiu, falando com dezenas de pessoas sob uma tenda que cobria o túmulo de ‘Delinha’.
Quando o Sol se despedia no horizonte o caixão foi novamente fechado e levado ao túmulo, enquanto a Lua surgia ao Leste o caixão da artista era descido a última morada, tendo como trilha sucessos os quais a artista escreveu e cantou por 60 anos.