MS Notícias

DESRESPEITO

UFMS chama coach sem formação em psicologia para 'debater suicídio' e gera revolta

"Foi com espanto e indignação que recebemos a notícia de que a realização da palestra da campanha "Eu Respeito!"", dizem lideranças estudantis

Reprodução/Divulgação

O Centro Acadêmico (C.A.) de Psicologia publicou uma nota de repúdio contra a veiculação por parte da Universidade Federal de MS, em redes sociais e na rádio, da palestra "Você na sua melhor versão", do coach Karim Khoury, como parte das atividades da campanha "Eu Respeito!", no mês da campanha de prevenção ao suicídio. 

A campanha do “Setembro Amarelo”, anualmente, visa conscientizar a população a respeito do suicídio, e costuma contar com informações sobre a busca de ajuda profissional para pessoas que sofrem de depressão ou outros transtornos de ordem psicológica. Nesse contexto, foi divulgada a campanha “Eu Respeito!”, que alegadamente visa “valorizar a vida”.

No entanto, a Universidade convidou um palestrante que não possui formação na área da Psicologia ou qualquer área que lhe conceda capacitação profissional para tratar do tema. A gestão “Reconstruir”, do C.A. de Psicologia, com o apoio do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e da Liga Acadêmica em Psicologia da Saúde, lançou uma nota de repúdio contra a realização do evento. A Associação dos Docentes da UFMS (ADUFMS) republicou o texto em seu site oficial e em suas redes sociais (veja no final do texto). 

O palestrante convidado pela a UFMS se diz administrador e consultor de empresas. "Abordo temas de Liderança, comportamento, técnicas de treinamento e saúde", diz o escritor explicando ser autor de 5 livros.  Apesar de não ter qualquer formação na área de psicologia, o coach diz promover: "Auto Conhecimento: Auto estima, interpretação de sentimentos, qualidade de vida e muito mais!", em um programa de rádio que vai ao ar nas terças-feiras.  

Leia a nota na íntegra abaixo:

O Centro Acadêmico de Psicologia expressa seu repúdio sobre a realização da palestra intitulada “Você na sua melhor versão” do coach Karim Khoury, que foi veiculada em meios digitais e de rádio no dia 1 de Setembro, pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

Foi com espanto e indignação que recebemos a notícia de que a realização da palestra da campanha “Eu Respeito!”, no primeiro dia do mês da campanha de prevenção ao suicídio, seria realizada por um coach e, por este motivo, optamos por não divulgar o evento, tendo em vista que esta decisão é completamente abjeta, uma vez que se trata de uma universidade pública. 

A escolha de um coach e administrador de empresas para a realização do evento, a despeito dos diversos profissionais capacitados dentro do quadro funcional da universidade, sejam da graduação em psicologia (existente há 20 anos na cidade universitária), na pós-graduação em psicologia (existente há 10 anos na cidade universitária) ou no programa de residência médica em psiquiatria só pode ser visto como, no mínimo, um desrespeito flagrante a toda a classe profissional de camaradas que se debruçam diariamente sobre a temática da saúde mental, a discentes da universidade que serão futuros profissionais da área de saúde e a própria universidade, uma vez que tal escolha avilta diretamente contra a missão, a visão e os valores da instituição.

Karim fala para não acreditar nas histórias da sua cabeça, dizer isto para alguém em sofrimento chega a ser violento, uma vez que o sujeito não escolhe sentir isso, o que só aumenta seu sentimento de culpa. Dizer a uma pessoa com ideação suicida para ter pensamentos positivos maiores do que os negativos e para ser grato por sua vida é um ato mesquinho e abjeto, a literatura descreve com maestria o que acontece nesses casos. Além de tudo isso, a repetição de mantras não corresponde nem por um instante a promoção à saúde baseada em evidências, o que seria o mínimo esperável durante uma apresentação em uma universidade de respeito. Mas, citando o próprio coach, é o que tem pra hoje.

Durante o evento em questão o palestrante, repetidas vezes, repete obviedades do senso comum para credibilizar suas falas infundadas dentro da literatura científica. Uma apresentação de tom moralista e individualizante, que coloca unicamente sobre os ombros do sujeito a responsabilidade sobre sua felicidade, satisfação com a vida e motivação. Ato que por si só já seria problemático o suficiente, não fosse o fato de ser o mês de prevenção ao suicídio.

Prezamos e lutamos diariamente por uma universidade pública de excelência, que seja reconhecida por seus valores e que propicie a epítome do  ensino, pesquisa e extensão, expressas na constituição cidadã de 1988. Não podemos ficar calados frente a ações que vilipendiem nossa instituição.