CPI DA COVID
'Imunidade de rebanho', um crime contra os brasileiros cometido por Jair Bolsonaro
Primeiro depoimento da CPI feito por Madetta revela planos de infecção em massa tramado por Jair Bolsonaro auxiliado pelo filho Carlos Bolsonaro.
O ex-ministro da Saúde e político sul-mato-grossense Luiz Henrique Mandetta (MDB) depôs à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 ontem (4. maio) e entregou graves revelações que levam a crer que Jair Bolsonaro (sem partido) tinha como crença a 'imunidade de rebanho', onde acredita-se que o ideal era infectar 70% da população o mais rápido possível com o vírus da Covid-19.
A denúncia é o mais potente objeto de investigação de parlamentares de oposição no colegiado e, se ficar provado que o presidente agiu deliberadamente para propagar o vírus na expectativa de que o país atingisse imunidade de rebanho, quando cerca de 70% da população já teria sido infectada pelo vírus. Assim poderia não ser necessário, por exemplo, comprar vacinas, ele terá então cometido um crime contra a humanidade. No sistema jurídico brasileiro temos repressão ao crime de genocídio em nível constitucional e infraconstitucional. Em termos de constituição, estabelece o art. 3º como objetivo da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos de forma equitativa, independente da etnia ou raça.
Com vigência anterior à Constituição, a lei de n. 2.889/56, recepcionada pela constituição de 1988, aborda expressamente o crime de genocídio, tipificando penas e condutas relacionadas à “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (art. 1º, da lei de n. 2889/56). Ademais, o Código Penal Brasileiro prevê desde 1984 o crime de genocídio cometido por brasileiro ou domiciliado no Brasil, in verbis: Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes: d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984).
Mandetta apontou claramente que Jair Bolsonaro buscava a imunidade de rebanho como estratégia para vencer a pandemia. "A impressão que eu tenho era que era alguma coisa nesse sentido, o principal convencimento, mas eu não posso afirmar, tem que perguntar a quem de direito", afirmou o ex-ministro, que disse sempre ter se balizado pela ciência.
Segundo Mandetta, Bolsonaro foi alertado que no início da propagação do vírus, entre março e abril, o ideal era que se fizesse o isolamento social, mas ainda assim decidiu atacar a medida. "Todas as recomendações as fiz com base na ciência, a vida e a proteção. Eu as fiz nos conselhos de ministros e diretamente ao presidente."
O ex-ministro também afirmou que não partiu do Ministério da Saúde a orientação para a produção de cloroquina pelo Exército para o combate à Covid. Segundo ele, durante sua gestão, havia quantidade suficiente do medicamento pela Fiocruz para aquilo que lhe convém, como o tratamento da malária. "O presidente, no mais das vezes, ele compreendia, ele falava: 'Então, vamos, vamos... Dê seguimento!', porque você não pode ser ministro sem relatar. Eu achava que eu estava fazendo um bom trabalho, inclusive, mas passavam-se dois, três dias, e ele voltava para aquela situação de quem não havia, talvez, compreendido, acreditado, apostado naquela via", disse.
"Me lembro do presidente sempre questionar a questão ligada à cloroquina, como a válvula de tratamento precoce, embora sem eficácia comprovada. Falava também do confinamento vertical", completou. "Ele tinha um assessoramento paralelo", afirmou Mandetta, sem definir quem assessorava o presidente.
O ex-ministro relatou que foi chamado a um gabinete no Palácio do Planalto, onde apresentaram uma sugestão de decreto para alterar a bula da cloroquina e incluir entre suas recomendações o uso para o tratamento da Covid-19.
O ex-ministro já havia revelado no ano passado a tentativa do governo de alterar a bula do medicamento. Nesta terça, ele usou o exemplo para mostrar que havia outras pessoas aconselhando Bolsonaro sobre a pandemia.
Mandetta também contou que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, participava de reuniões para tratar das medidas de combate ao coronavírus.
Senadores governistas adotaram estratégia para tentar apontar que o ex-auxiliar de Bolsonaro havia dado recomendação "equivocada" à população.
Nessa linha, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) questionou o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta sobre sua orientação inicial de evitar buscar hospitais nos primeiros sintomas da Covid-19 e se ele receitou, em março do ano passado, "chá, canja de galinha e reza contra o novo coronavírus".
Mandetta então apontou que a pergunta lida pelo senador tinha sido elaborada pelo ministro Fábio Faria (Comunicações), que encaminhou por engano ao ex-ministro do governo Jair Bolsonaro. "Senador Ciro Nogueira, ontem eu recebi essa pergunta, exatamente nessa íntegra, do ministro Fabio Faria, que ele inadvertidamente mandou para mim a pergunta. Quando eu ia responder, ele apagou a mensagem. Então vou responder para o senhor, mas também para o meu amigo, que foi parlamentar comigo, ministro Fábio Faria", afirmou o ex-ministro.
Mandetta rebateu dizendo que se trata de uma "guerra de narrativa" as acusações de bolsonaristas de que ele teria recomendado que as pessoas ficassem em casa, mesmo após apresentarem sintomas da doença.
Renan afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que considera "graves" os fatos descritos por Mandetta no depoimento. "O depoimento mostrou que houve aconselhamento paralelo na Covid, adoção da cloroquina ao arrepio do Ministério [da Saúde], participação de Carlos Bolsonaro [vereador do Rio e filho do presidente] em reuniões (por quê?) e alerta sobre 180 mil mortes", disse o relator da CPI.
Ele segue: "Bolsonaro divergiu das orientações científicas, no isolamento e na cloroquina. Foi um depoimento importante na minha opinião para clarear exatamente o que ocorreu naquele momento inicial da pandemia".
Durante a oitiva, Mandetta disse que pediu a um infectologista Julio Croda um estudo sobre a projeção do coronavírus e o estudo apontou que haveria 180 mil mortes até 31 de dezembro do ano passado.
Estavam marcados ainda para esta semana os depoimentos dos ex-ministros Nelson Teich e Eduardo Pazuello. O general, porém, alegou que esteve em contato com dois coronéis infectados com o coronavírus e por isso não poderia comparecer na comissão.
Na tarde desta terça, a presidência da CPI confirmou o adiamento do depoimento de Pazuello, inicialmente marcado para esta quarta-feira (5) e agora previsto para o próximo dia 19.
Após o fim da oitiva, em entrevista coletiva, Renan disse que a remarcação da oitiva do general representa "perda e ganho". "Perda porque só vamos ouvi-lo no dia 19. E ganho porque parece que vai haver uma conversão. Ele quer depor remotamente, agora para evitar aglomeração", ironizou o emedebista.
O vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que apresentou pedido de convocação do ministro Paulo Guedes (Economia), e que espera que ele seja aprovado.
Durante o depoimento desta terça, Mandetta afirmou que o ministro da Economia ignorava alertas da pasta. "Um desonesto intelectualmente, uma coisa pequena, um homem pequeno para estar onde está", disse Mandetta.