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Investigação revela cúmplices de militar que levava cocaína na comitiva de Bolsonaro
Um escândalo internacional. Um incidente que constrangeu o governo brasileiro
O Fantástico mostra detalhes inéditos da investigação da Polícia Federal sobre o uso de aviões da Força Aérea Brasileira no tráfico internacional de drogas. Em junho de 2019, um sargento da FAB foi preso em Sevilha, na Espanha, transportando 39 quilos de cocaína pura em um voo da comitiva presidencial.
São documentos que revelam as primeiras conexões dessa rede de traficantes. Um caso que ainda tem muitas lacunas a serem preenchidas. A reportagem é de Andréia Sadi e Arthur Guimarães. Veja a reportagem completa no vídeo acima.
Um escândalo internacional. Um incidente que constrangeu o governo brasileiro.
“Eles são escolhidos a dedo. Então essa vergonha a gente sente, sim, muito”, declarou o ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Augusto Heleno, no dia 10 de julho de 2019.
E fez o Palácio do Planalto prometer respostas. “O que nós queremos das Forças Armadas é que não apenas o sargento seja levantado aí toda essa rede, com toda certeza existe, pela quantidade de drogas que na qual ele está no meio dela”, disse o presidente Jair Bolsonaro no dia 29 de junho de 2019.
Quase dois anos depois, autoridades brasileiras não conseguiram provar quem estava por trás do esquema, mas os primeiros elos dessa rede de tráfico via aviões da FAB, a Força Aérea Brasileira, começaram a aparecer nesta semana em uma operação da Polícia Federal.
A PF investiga o caso desde a prisão, em junho de 2019, do sargento Manoel Silva Rodrigues. Rodrigues integrava um voo de apoio da comitiva do presidente Jair Bolsonaro à cúpula do G20, no Japão.
O militar, que não estava no avião que levava Bolsonaro, foi detido em uma escala no Aeroporto de Sevilha, ao tentar passar com 39 kg de cocaína em três bagagens de mão.
“Pela quantidade de droga que o cara está levando, ele não comprou na esquina e levou. Uma mula qualificada, vamos colocar assim”, disse o vice-presidente Hamilton Mourão no dia 26 de junho de 2019.
No julgamento em que foi condenado a seis anos de prisão, em fevereiro de 2020, Rodrigues confessou que "aproveitou a condição de militar" para cometer o crime, como mostra a sentença da Justiça espanhola. Disse ainda que deixaria a cocaína em um centro comercial de Sevilha com alguém de "roupa e características físicas" passadas pelas "pessoas que tinham entregado a droga" a ele no Brasil.
Foi da prisão na Espanha que o sargento acompanhou uma audiência em agosto passado, a única até agora do processo por tráfico que corre contra ele no Brasil. Por aqui, apenas a Justiça Militar processa e julga os crimes cometidos por militares.
Manoel aparece na tela de um celular posicionado na sala da Justiça Militar em Brasília. Ele acompanhava o depoimento de colegas da FAB que estavam com ele no voo para Sevilha, em vídeos obtidos com exclusividade pelo Fantástico.
“Na verdade, não existia essa normalidade de sempre fazer a pesagem ou ter a relação de passageiros para poder fazer a missão. Não tinha essa obrigatoriedade”, conta um militar.
Os militares, que falaram apenas como testemunhas, deixaram claro que não havia controle de bagagens em missões oficiais, o que impressiona até o juiz. “Que era um pouco assim sem fiscalização e desorganizado esse embarque. Eu queria saber se tinha um controle, real controle sobre as bagagens e sobre os passageiros, tripulantes, que iam embarcar na aeronave”, afirmou o juiz federal da Justiça Militar, Alexandre Quintas.
“Era na base da confiança ali, mas não tinha nada tão rígido até aquele momento”, afirma um militar.
O processo na Justiça Militar avança a passos lentos, travado por disputas técnicas entre defesa e acusação. Nenhum alto oficial responsável pela falta de fiscalização no embarque virou réu no processo.
A investigação da Polícia Federal, que teve a primeira operação pública nesta semana, ainda tenta saber quem são os cúmplices do sargento no tráfico.
Dez pessoas e três empresas foram alvos de 15 mandados de busca e apreensão e duas medidas cautelares que impedem a saída de investigados do Distrito Federal. Entre as pessoas impedidas de sair do Distrito Federal está Wilkelane Nonato, a mulher de Manoel.
Segundo a polícia, ela participava dos crimes "desde as tratativas iniciais" e, depois da prisão do sargento, sumiu com R$ 40 mil e um celular que o militar usava para se comunicar com a quadrilha.
A troca de mensagens entre Wilkelane e Manoel mostrou que o casal passava por dificuldades financeiras. Em uma mensagem de fevereiro de 2018, Rodrigues diz: "Ferrou, o dinheiro não dá". A esposa responde: "Pega do limite".
Um ano depois, o sargento conta que iria pagar um climatizador de ar de R$ 300 em 20 vezes. Quando ele diz que "não tinha como" pagar o IPVA, Wilkelane responde: "Se vira".
Na semana passada, o repórter Arthur Guimarães conversou com a mulher do sargento no estacionamento do comando da Aeronáutica, em Brasília. Ela disse que Manoel não teria dinheiro para comprar a droga e montar essa operação sozinho. “Eu tenho certeza que ele não tinha dinheiro para comprar um trem desse, porque diz que é muito caro, né?”, declarou Wilkelane.
A PF concluiu que Rodrigues fez pelo menos mais uma remessa de cocaína ao exterior. A primeira teria sido dois meses antes da prisão, em uma missão oficial a Madri. Depois dessa viagem, o casal comprou uma moto a vista por R$ 33 mil, pagou dívidas e trocou os móveis do apartamento. Em uma mensagem, Wilkelane posta uma calculadora marcando R$ 76 mil e diz: "No meu controle saiu isso já". Manoel responde: "Não fala disso aqui".
A PF pediu a prisão de Wilkelane, mas a Justiça negou. O outro suspeito que teve pedido de prisão, e também negado, foi o sargento da FAB Jorge Luiz da Cruz Silva. Segundo a PF, o sargento Jorge "atuou como recrutador e intermediário dos verdadeiros donos" da droga em contatos com Manoel. Quebras de sigilo telefônico indicam que os militares se encontraram e trocaram mensagens às vésperas das duas viagens de Manoel, e que Jorge trocou de celular logo depois da prisão do colega.
Com o nome Salve Jorge, o sargento concorreu a deputado distrital nas duas últimas eleições, sem sucesso. Nas duas ocasiões, declarou não ter bens. Testemunhas apontaram, no entanto, que Jorge "melhorou de vida" nos últimos anos, e que isso foi "muito rápido".
No sábado (6), o Fantástico foi até a casa do sargento Jorge Luiz, mas ele não quis falar.
Com exceção do sargento Jorge, do sargento Manoel e de sua esposa, a PF reconhece que as provas ainda são precárias contra os outros sete suspeitos. A investigação chegou até agora a três núcleos. Um militar, com Jorge, Manoel e outros dois suspeitos, um de parentes de Manoel, que inclui a esposa, e outro com aqueles que seriam os donos da droga.
Esses suspeitos de encabeçar o esquema de tráfico em aviões da FAB foram alvo de buscas nesta semana em suas casas e empresas. Mas eles só apareceram na investigação por causa de um informante anônimo, e não há no relato desse denunciante ou no inquérito da PF nenhum elemento que relacione os transportadores da droga com esses supostos fornecedores. Ou seja, ainda faltam muitas peças nesse quebra-cabeça.
Para ligar essas pontas, os investigadores esperam contar com o material apreendido nesta semana. Oficialmente, a PF não quis gravar entrevista.
Uma outra pergunta sem resposta na investigação: quando voltou da viagem a Madri, o sargento Manoel escreveu para a mulher que iria "deixar logo as malas do coronel". A PF diz que o fato, ainda não esclarecido, pode ter relação com o tráfico.
A Polícia Federal brasileira também não teve acesso ainda ao celular apreendido com o sargento na Espanha e nem à investigação completa do caso naquele país. A PF reconhece que a prisão de Manoel "resultou na destruição de vários elementos de provas".
O sargento segue preso nos arredores de Sevilha, e enquanto não aparecem mais respostas e elos sobre o caso, em um ponto de ônibus em Brasília, a letra de um rap, escrito há mais de 20 anos sobre um caso semelhante de tráfico em aviões da FAB, continua atual.
A defesa de Manoel Silva Rodrigues afirmou que ele cumpre pena por um crime que confessou e "que vem colaborando com todas as autoridades na medida do possível, pois teme pela sua vida e de seus familiares".
A defesa de Wilkelane Nonato Rodrigues disse que ela não tem participação nos fatos e está sendo incluída na investigação "pelo simples fato de ser esposa do sargento".
O Fantástico não conseguiu contato com a defesa do sargento Jorge Luiz da Cruz Silva.
O Comando da Aeronáutica informou que reforçou normas de segurança em seus voos, que atua firmemente para coibir irregularidades e que repudia condutas que não representam os valores, a dedicação e o trabalho do efetivo da corporação.
A FAB disse ainda que informações sobre militares e punições são resguardadas pela Lei Geral de Proteção de Dados e não podem ser divulgadas.
O GSI, que é o Gabinete de Segurança Institucional da presidência, informou que não houve participação de militares do gabinete no gerenciamento do voo em questão, e que não se manifesta sobre investigações da Justiça Militar.
O Ministério da Justiça disse que não comenta casos em andamento, mas que os pedidos de cooperação à Justiça espanhola foram feitos e não estão encerrados.
FONTE: FANTÁSTICO.