O guarda civil municipal Anderson Gonzaga da Silva Assis, secretário de Segurança e Defesa Social de Campo Grande, está tentando convencer a quem duvida que não fez apologia ao nazismo, conforme sugerem vídeo e áudio de uma mensagem que ele fez aos comandados no início do ano. Ouça:
Em nota oficial, ele garante que sua fala foi descontextualizada para que se fizesse dela uma leitura negativa, frisando: “Em nenhum momento minha intenção foi minimizar as atrocidades cometidas por Hitler e seu regime”.
Entretanto, não há como fazer outra leitura sobre as frases e adjetivos utilizados pelo secretário ao recorrer ao governante alemão Adolf Hitler e ao nazismo como exemplos de liderança e inteligência para alcançar grandes conquistas. Essas afirmações foram proferidas no início deste ano, quando se reuniu com colegas da Guarda Civil Municipal (GCM) para repreender os que participaram de protestos contra a prefeita Adriane Lopes (PP) durante manifestações por melhorias salariais.
REVERBERAÇÃO
A malfadada alocução de Assis estava sendo gravada. A gravação, publicada há alguns dias nas redes sociais e na imprensa, reverberou dentro e fora do país. E todos os veículos que deram a notícia sobre o acontecimento o classificaram como apologia ao nazismo. Naquela reunião, realizada com membros do Ronda Ostensiva Municipal (ROMU), Assis foi bem enfático ao salientar, entre outras coisas, o seguinte:
"A Alemanha é a potência que é hoje graças ao Hitler. Estrategista, um cara inteligente, foi ditador, sim, conquistou o que conquistou graças às estratégias e inteligência dele. Eu queria ser um terço daquele líder", frisou Assis.
Em sua defesa, ele garante que a gravação de sua fala tem cortes que as tiram do contexto. Mas não nega ter elogiado o ditador germânico e até afirmou que o admira. “Infelizmente, quando se mexe com pessoas, seres humanos, cada um pensa de um jeito. Eu tenho a minha consciência. Fizeram até um videozinho meu aí, na internet, me chamando de Hitler. Eu até admiro Hitler, porque foi um cara inteligente", pontuou.
Assis não hesita em se colocar como vítima de uma armação maldosa. “É importante esclarecer que o tema surgiu durante uma fala na qual eu me defendia sobre uma montagem maldosa de um vídeo no qual eu era comparado a Hitler. Em nenhum momento minha intenção foi minimizar as atrocidades cometidas por Hitler e seu regime. No momento em que me defendia, o que tentava destacar era uma análise do contexto estratégico de um período histórico específico”.
Apesar destas observações e até mesmo da possibilidade de cortes na gravação, ela contém frases e considerações do secretário com orações verbais e afirmações completas, constituídas de início, meio e fim, de forma enfática e categórica. Quando se refere ao legado de Hitler, de quem revela ser admirador, Assis o enaltece por ter feito da Alemanha uma potência.
SEM RESSALVAS
O pior nisso tudo é que, ao dar destaque ao Hitler exemplar, Assis sequer teve o cuidado de fazer a necessária ressalva sobre o que custou à humanidade aqueles trágicos anos da II Guerra Mundial. Calcula-se que entre 1940 e 1945 mais de cinco milhões de judeus foram assassinados pelos nazistas, grande parte deles nas câmaras de gás e nos campos de concentração.
Assis também não levou em conta a responsabilidade pertinente à sua função. Ele é servidor público de primeiro escalão e ocupa espaços de fortíssima presença na sociedade. Primeiro, ele chefia uma Secretaria responsável pela segurança e defesa social na cidade, e também é o presidente do Conselho Municipal de Segurança Pública. Sua voz e seus atos em serviço ressoam com enorme abrangência na comunidade.
O secretário deveria ao menos saber que as suas palavras, sem a necessária clareza, podem gerar consequências imprevisíveis. Elas servem, mesmo se forem ambíguas ou descontextualizadas, como expressão de simpatia ou apologia ao nazismo, incorporando a ameaça de estimular o antissemitismo. No Brasil, é crime.