01 de julho de 2024
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'FÉ, SAÚDE E LOBBY'

Prefeito firma contratos milionários com empresas de pastor e cabo em Antônio João

Gestor gasta milhões com empresários e população clama por remédios básicos

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O pastor bolsonarista Adieques Adão Lopes Gomes, do Ministério Teocrático Despertando as Nações, tem muito a comemorar com a gestão de Marcelo Pé (PSDB), em Antônio João (MS).

Analisando o Portal da Transparência do município, nota-se que nos últimos 4 anos a administração tem preterido investimentos em dois empreendimentos do pastor: a Hamate Materiais de Construção e a Farmácia Fortaleza.

Desde 2022, início da gestão de Marcelo Pé, os comércios privados do pastor sugaram R$ 4.667,751 dos cofres públicos.

Por meio da Hamate, de razão social A. A. L. Gomes - EPP, Adieques levou a maior parte, tendo faturado mais de R$ 3,2 milhões até o fim deste semestre de 2024. A verba teria sido gasta pela Hamate em pequenos reparos em escolas, secretarias e outros prédios públicos. Eis a íntegra.  

Além disso, até abril de 2024, o prefeito torrou mais R$ 844.566 com a farmácia Fortaleza, que tem como sócias Aline Fagundes Joner e Raquel de Cassia Alves dos Santos Lopes, essa última também pastora e esposa de Adieques. Eis a íntegra

Aline, por sua vez, é casada com o militante de extrema direita bolsonarista Allan Lopes Nunes, irmão de Adieques, que também se apresenta como ‘sócio proprietário’ da farmácia Fortaleza em perfis públicos na rede social. Veja:

Print de tela da rede social de Allan Lopes Nunes, dono da Farmácia Fortaleza. 

Allan não é visto com frequência ao lado de Marcelo Pé, sendo, porém, mencionado nos bastidores como um dos articuladores para as eleições do prefeito em 2022 e movimentador para a reeleição de Pé neste ano. 

Allan durante greve pedindo intervenção militar contra a democracia brasileira.  Allan durante ato golpista pedindo intervenção militar contra a democracia brasileira, após a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas. O extremista bolsonarista, inclusive, responde a um processo judicial por ter filmado o momento do seu voto nas eleições de 2022.  

Fato que aumenta as suspeitas sobre as relações – quase que familiares – entre o prefeito, pastores e cabos eleitorais, são diversas imagens de rede social. Veja: 

O prefeito Marcelo Pé, Adieques e família. Foto: Reprodução | Redes 
Marcelo Pé na inaguração da Hamate. Foto: Arquivo Marcelo Pé, a pastora Raquel e o pastor Adieques na inauguração da Hamate em Antônio João. Foto: Arquivo 
O prefeito Marcelo Pé celebra com o empresário e pastor Adieques numa  obra da Hamate em Antônio João. Foto: ArquivoO prefeito Marcelo Pé celebra com o empresário e pastor Adieques numa  obra da Hamate em Antônio João. Foto: Arquivo
Ma igreja, pastor Adieques atuou como uma espécie de 'cabo eleitoral' de Marcelo Pé. Foto: Reprodução Na igreja, pastor Adieques atuou como uma espécie de 'cabo eleitoral' de Marcelo Pé. Foto: Reprodução 
Allan fez campanha para Marcelo Pé nas redes sociais. Foto: Reprodução

Além de detentor do poder religioso, Adieques também é presidente municipal do Republicanos em Antônio João. Ele foi empossado em fevereiro deste ano pelo deputado bolsonarista Antônio Vaz, como mostram imagens que circulam nas redes. Eis:  

O pastor Adieques e Antonio Vaz. O pastor Adieques e Antonio Vaz. 

SEM TRANSPARÊNCIA

Mesmo com o robusto repasse aos chefes da fé e seus familiares, a população de Antônio João clama por acesso a medicamentos básicos da cidade e pelo mínimo de transparência. 

Lei federal tornou obrigatório a prestação de contas acerca da entrada e saída de medicamentos da farmácia básica. Foto: Print

Uma lei promulgada em 23 de agosto de 2023 tornou obrigatório estados e municípios publicarem o estoque de medicamentos na rede de saúde de cada cidade e estado.

Em Mato Grosso do Sul, o Tribunal de Contas (TCE) firmou uma parceria com a Secretaria de Saúde do Estado, em que reforça a obrigatoriedade de prestação de contas de estoque para fiscalizar o desperdício e superfaturamento de medicamentos.

Apesar das Lei e normativa, o município de Antônio João não tem publicado nada para o acesso público em relação aos medicamentos da cidade e o estoque da farmácia básica do município.  

MAIS GASTOS COM FARMÁCIA PRIVADA

Por outro lado, complementando o gasto com empresas privadas de saúde, Marcelo Pé injetou mais R$ 1.115.267,59 na conta da Farmácia Antônio João, de propriedade de Julio dos Santos Morinigo – mais conhecido como ‘Seu Julinho’. 

Aqui há mais indícios de problemas, pois ‘Seu Julinho’ já está bastante idoso e é público que a farmácia é administrada pelo farmacêutico conhecido como ‘Coró’, no entanto, o comércio segue usando o nome de ‘Julinho’ nos contratos com o poder público, mesmo agora sendo gerenciado por terceiros, que acabam não sendo rastreados pelos órgãos de fiscalização devido à ausência de informações oficiais. “Essa farmácia agora é do ‘Coró’, ele que administra agora, porque ‘Seu Julinho’ já está com oitenta e poucos anos, passou pro ‘Coró’ que já era farmacêutico lá. Mas ‘Seu Julinho’ não mexe mais, ele não tem nada a ver com isso aí”, explicou uma fonte sob anonimato.

A reportagem apurou que ‘Coró’ é o apelido de Anderson Miranda Silvino, que em sua rede social de fato assume ser proprietário da Farmácia Antônio João. Veja: 

ROMBO NAS FROTAS

Completando o festival de gastos, conforme o Portal da Transparência, Marcelo Pé teria torrado quase R$ 1 milhão dos cofres públicos em locação de carros para transportes de pacientes.

Uma licitação executada sugere que somente em 2024 foram gatos R$ 220.800 com aluguel de um carro equipado com Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), pela empresa Medical Center LTDA, do Grupo CMD Saúde de Conceição de Mata Deentro (MG).

Curiosamente, a Medical foi a única a competir nessa licitação.

Mais R$ 594.633 constam num contrato de aluguel de veículos. Esse contrato consta “em andamento”.

O recurso total sugerido na Transparência daria para adquirir ao menos 3 UTI's próprias para a cidade.

OUTRO LADO

Adieques em frente a farmácia gerenciada pelo seu irmão, que consta em noma de sua cunhada e de sua esposa. Foto: Arquivo Esse é o pastor Adieques em frente a farmácia gerenciada pelo seu irmão, mas que consta em nome de sua cunhada e de sua esposa. Foto: Arquivo 

Procurado para dar sua versão sobre os apontamentos da reportagem, o prefeito Marcelo Pé garantiu que as farmácias citadas acima foram escolhidas por meio de licitação e que o valor gasto com elas cumprem ordens da justiça. “São licitações abertas e ganha quem tem o melhor preço. Isso aí é demanda judicial, demanda judicial, possivelmente, disse.

Pé alegou não saber quais empresas estão sendo preteridas. “Eu não sei te falar quais são as farmácias, porque eu não acompanho isso aí, isso aí é a parte da saúde, jurídico que acompanha, mas são tudo demanda judicial (sic)”, reforçou.

Provocado a comentar sua relação com o pastor Adieques e a influência dele na política municipal, o gestor disse: “São pregões eletrônicos, todo mundo é livre para participar, eu não tenho como proibir ninguém de participar de uma licitação. Empresa legalmente com as certidões tudo em dia, não tem o que fazer. É disputa de licitação, é aberto, são pregões, são gravados esses pregões”.

Questionado sobre diversas imagens em que aparece celebrando com a família de Adieques, o prefeito justificou: “Cara, interior, cidades do interior é assim. Todo mundo tira foto com todo mundo”.

A reportagem quis saber se é do conhecimento do prefeito a influência religiosa de Adieques na cidade, mas o gestor esquivou-se: “Aí você tem que ver com ele, o que ele é religiosamente, eu não sei, aí já não é comigo, tem que ver com ele”.

Prefeito Marcelo Pé celebra em farmácia campeã de licitação em Antônio João.

Sobre a locação de frota na casa de R$ 1 milhão, o prefeito argumentou que a licitação não avançou. “Adquirimos vários carros para o município... Teve locação só de ambulância, eu acredito que isso aí, teve uma locação de carro que deu deserta. Veio um pessoal executar, mas acharam o preço inexecutável, então não avançou. Deve ser isso que você está vendo aí no Portal da Transparência. 

O prefeito explicou que adquiriu carros para o município, que no entanto, não são dedicados exclusivamente a uma secretaria. “Eu comprei bastante carro, uns seis, sete carros... Para saúde e para a assistência social, esses carros do município usa para tudo, uma secretaria empresta para a outra e vamos atendendo o povo (sic)”, disse. 

Por fim, o repórter perguntou ao prefeito se o grosso investimento feito nas redes privadas não poderiam ter sido feitos nas farmácias básicas da cidade. “Olha, essas coisas quem toca lá é o pessoal, é ordem judicial. Se você quiser vir aqui e pegar todas as ordens judiciais que mandou comprar, e que mandou atender as pessoas, só aparecer, só vir aqui”, finalizou. 

Apesar das respostas do prefeito, a reportagem não conseguiu sanar a dúvida de o porquê ele não adquiriu remédios para a farmácia básica da cidade, local onde a população alega não ter remédio, denúncias que se confirmam pelo número de ações judiciais apresentadas e cumpridas pela prefeitura. Caso Marcelo Pé tivesse investido a verba pública na compra de medicamentos para a farmácia básica, haveria menos ações contra a administração e o preço do remédio sairia mais em conta, visto que a administração pública compraria direto da fábrica e não de revendedoras (farmácias privadas). 

Tentamos contato com os donos das empresas citadas, mas os telefones indicados na internet e redes sociais não completaram as ligações. O espaço segue aberto e posicionamentos futuros poderão ser acrescentados em qualquer tempo a esse conteúdo.