Com a detenção de cerca de 1,5 mil pessoas que vandalizaram as sedes dos três poderes em Brasília, a busca policial pelos financiadores do terrorismo e o objetivo de impedir que novas investidas semelhantes se repitam, as autoridades federais e estaduais estão ampliando e intensificando as providências. No território das investigações estão dois cenários: a depredação no Distrito Federal e os acampamentos que os golpistas montaram em frente aos quartéis-generais das Forças Armadas em todo o País.
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No alvo das investigações policiais e do rastreamento do Ministério Público estão também as pessoas físicas e jurídicas que direta ou indiretamente se associaram ou deram seu incentivo aos atos de vandalismo, com ao menos três motivações: instalar o caos para justificar uma intervenção militar (golpe de Estado), anular as eleições que deram a vitória na disputa presidencial ao petista Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e entregar o poder ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).
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No curso das operações determinadas pelo Ministério da Justiça e realizadas pela Polícia Federal, uma das investigações aponta que os ônibus que conduziram os vândalos a Brasília foram organizados com a participação de empresários de ao menos 10 estados. E Mato Grosso do Sul só fica atrás do Paraná na lista dos estados que mais investiram no financiamento do quebra-quebra. Isto já criou um complexo desafio para as autoridades sul-mato-grossenses, em especial os chefes das instituições políticas.
RESPONSABILIDADE
Caem ou cairão no colo dos presidentes da Assembleia Legislativa e Câmaras Municipais a responsabilidade de apurar fatos e tomar as providências constitucionais sobre o comportamento de deputados e vereadores que se posicionaram a favor de pautas como a intervenção militar (golpe de Estado), anulação das eleições por meio de medidas de força e um fechamento institucional que leve ao fechamento dos poderes Judiciário e Legislativo. Uma das reivindicações dentro dessa pauta é anular as eleições e entregar o poder ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
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Entre os vereadores que mais se destacam na trincheira golpista estão dois do legislativo campo-grandense, Sandro Benites (Patriota) e Tiago Vargas (PSD). Ambos têm uma ficha política manchada por condenações. Médico e militar do Exército, Benites se licenciou para assumir a Secretaria Municipal de Saúde. Ele usou seu mandato, conquistado democraticamente nas urnas, para ir ao acampamento golpista em frente ao Comando Militar do Oeste (CMO) e fazer inflamado discurso de apelo à intervenção militar e outras pautas antidemocráticas. O caso ocorreu em novembro de 2022, loga após a eleição de Lula, Benites subiu a um palanque de golpistas em frente ao CMO, onde havia um ninho de radicais pedindo intervenção militar. Naquela ocasião, além de implorar ao general para que aplicasse um golpe de estado, Benites ainda xingou o presidente Lula.“Nós campo-grandenses patriotas, humildemente, pedimos socorro. Nos livre desse mal. Juntos, não aceitamos ser governados por um ladrão, por narcotraficante, nos ajude general. É o que pedimos hoje em nome da pátria. Brasil acima de tudo e Deus acima de todos", gritou Sandro Benites em frente ao quartel.
Em razão disso, o vereador André Luiz (Rede) protocolou na Câmara um pedido pela abertura de processo disciplinar contra Benites, que já tem uma mancha no fichário da vida pública: eleito em 2020, teve seu mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MS). O motivo: utilizou R$ 5 mil que eram destinados pelo Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) para a candidata Enfermeira Sônia Maria, a Soninha da Saúde. A juíza Joseliza Alessandra Vanzela Turine, da 44ª Zona Eleitoral, aceitou representação do Ministério Público e cassou seu mandato Ele continua no cargo, sub judice, enquanto o recurso de defesa não for julgado.
POSTAGENS PRÓ-ATO TERRORISTA
Tiago Vargas usou as redes sociais para celebrar a destruição de domingo no DF. Logo após as primeiras transmissões do vandalismo pela TV, ele postou em sua conta no Facebook imagens de radicais bolsonaristas fazendo as invasões e escreveu: "Urgente! O povo brasileiro assume o Congresso Nacional". Semelhante demonstração de apoio ao golpe foi manifestada, também nas redes sociais, pelos deputados Evander Vendramini (PP), Capitão Contar (PRTB) e João Henrique Catan (PL).
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A argumentação desse trio para minimizar o quebra-quebra e assim envernizar o encorajamento golpista é risível. João Catan postou esta afirmação: “Não existe ato de vandalismo maior do que rasgar a Constituição, roubar às eleições e colocar um bandido para presidir a nossa nação. Há muito tempo os poderes vêm extrapolando suas competências, especialmente o STF; agora está sendo a vez do povo extrapolar um pouco também”.
Catan, inclusive, esteve bancado alimentação para os golpistas instalados em frente ao Comando Militar do Oeste (CMO) e afirmou que estava indo nas rodovias. "Se eu pudesse me dividiria em dez para estar em todos", disse.
Vendramini é useiro e vezeiro em mensagens antidemocráticas e ameaçadoras. Uma delas, que repetiu várias vezes no Facebook, é o tic-tac, onomatopéia do som de um relógio, como se fosse um aviso sobre algo de impacto que está por acontecer. Nas redes sociais, antes do ato terrorista, Vendramini sugeriu aos radicais o bloqueio total das rodovias em MS. “Bora bloquear tudo, País parar geral para demonstrar nossa insatisfação”, comentou o político. Ele contou com ajuda vinda do interior, onde a mobilização golpista esteve por conta do bolsonarista ex-prefeito de Costa Rica, Waldeli dos Santos Rosa (MDB). "Amigos vamos ajudar a mobilizar a sociedade e a população para uma grande concentração. A ideia para aqueles que concordam democraticamente, respeitando o direito dos outros, vamos travar os trevos acima do Copo Sujo que vai pra Baús, como do Aeroporto e da entrada de quem vem de Chapadão para o Copo Sujo, mas liberando para entrar em Costa Rica", ordenou o ex-prefeito em áudio golpista disparado no WhatsApp. Na sequência o político sugeriu uma mobilização para o fechamento do comércio. “Alguém tem que mobilizar o comércio para fechar. Quem vai mobilizar tem que ir na rádio e a todo lugar para fechar o comércio meio-dia ou às duas horas. Vamos determinar que o comércio feche às duas horas”, completava Waldeli.
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Contar, derrotado pelo tucano Eduardo Riedel na sucessão estadual, repetiu aos colegas a falta de imaginação para encaixar sutileza no apoio ao golpismo. Um de seus posts, após afirmar que não apoia atos de vandalismo, escreveu: “Vandalismo de verdade é o que estão fazendo com o nosso país...[...]". Dos três deputados, só Catan se reelegeu. Vendramini não teve votos suficientes para ficar mais quatro anos na Assembleia e vai para casa no final deste mês, assim como o Capitão Contar.
Também estão na ala dos apoiadores do ataque terrorista os deputados federais bolsonaristas Dr. Luiz Ovando (PP-MS), que foi reeleito, Marcos Pollon (PL-MS) e Rodolfo Nogueira (PL-MS), ambos eleitos.
A blogueira e cristã Gianni Aguillar Nogueira, esposa de Rodolfo, apareceu, em vídeos compartilhados nas redes sociais, incentivando um bolsonarista a atacar prédios comerciais e públicos durante a “fúria bolsonarista” na noite da segunda-feira (12.jan.23) em Brasília (DF).
Em um dos vídeos compartilhados pela TV Jovem Pan News, Gianni aparece incentivando um jovem mascarado a atirar com o estilingue contra um prédio decorado para o Natal. O vídeo é continuidade de outro, postada por ela no Instagram, no qual grava os confrontos nas ruas de Brasília, entre a polícia e os bolsonaristas, chora e depois desce para encontrar o índio.
Um terrorista preso com uma bomba em Brasília (DF), pouco antes do ataque dos bolsonaristas a Capital Federal, George Washington de Oliveira Sousa, ao ser preso, pediu para ligar para o advogado Marcos Pollon (PL). A ligação do líder do Pró-Armas foi citada pelo site O Antagonista. O terrorista foi preso em 25 de dezembro de 2022, após a polícia encontrar um caminhão tanque de combustível com uma bomba. O objetivo era explodir o Aeroporto de Brasília para causar o caos e levar à intervenção militar, como clamam os bolsonaristas.
VARREDURA
De acordo com influentes lideranças políticas e assessores de parlamentares estaduais e federais sul-mato-grossenses, a PF cumpre as determinações do ministro da Justiça, Flávio Dino, fazendo o levantamento dos nomes e dos cenários associados às diferentes manifestações contra o resultado das eleições. Incluem-se aí pronunciamentos e postagens em rede social que possam ser caracterizados como antidemocráticos ou concorram para organização e incentivo a um golpe de Estado.
Uma pré-lista de alvos já estaria sendo rastreada para enquadramento no artigo 286 do Código Penal, que define e prevê punições para esse tipo de ação criminosa: "Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena: detenção, de três a seis meses, ou multa".
A imprensa já noticiou os nomes de cinco parlamentares que seriam enquadrados nas investigações: os deputados federais Luiz Ovando (PP), que foi reeleito, Marcos Pollon (PL), o campeão de votos, e Rodolfo Nogueira (PL), que conquistou seu primeiro mandato, e os deputados estaduais João Henrique Catan (PL) e Rafael Tavares (PRTB), além do vereador Tiago Vargas (PSD), de Campo Grande (MS).
Não constam desta relação — ao menos até agora — outros políticos envolvidos nos acontecimentos locais ou nacionais que antecederam a depredação em Brasília, como o deputado estadual Evander Vendramini (PP), o vereador campo-grandense Sandro Benites e o ex-prefeito de Costa Rica, Waldeli Rosa (MDB).
Outros nomes também constam do sortido acervo de informações que podem estar na linha das investigações. Um deles é o do prefeito tucano de Porto Murtinho, Nelson Cintra, extremista de direita assumido e cuja esposa, a primeira-dama Maria Lúcia Barbosa Ribeiro, chegou a ser vista e filmada cozinhando para manifestantes acampados em frente ao quartel-general do CMO, em Campo Grande.
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