O depoimento do hacker Walter Delgatti Neto, conhecido como o hacker da Vaza Jato, à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) na 3ª (15.ago), que investiga os atos de 8 de Janeiro, pode levar a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Como mostramos aqui no MS Notícias, Delgatti revelou aos deputados que Bolsonaro queria que ele invadisse as urnas eletrônicas, simulasse fraude eleitoral e assumisse um grampo ilegal contra ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. Em troca, Bolsonaro daria ao hacker o chamado indulto presidencial, que livra um criminoso de seus crimes. Bolsonaro já usou o mecanismo para beneficiar o extremista de direita Daniel Silveira, que hoje está preso por ataques à democracia.
Para Matheus Falivene, doutor em Direito Penal pela USP, a oferta da graça — indulto individual — para o hacker, por ser uma prerrogativa constitucional, não configuraria ilícito penal. Entretando, todo o resto é crime semelhante ao cometido por Silveira: “A questão criminal toda gira em torno dele ter, supostamente, confabulado com para violação do sistema eleitoral, o que, dependendo da apuração, pode configurar crime contra o Estado Democrático de Direito”, disse Falivene.
Antes de se reunir com Bolsonaro, Delgatti, chamado pelo extremistas de direita de 'o Vermelho', recebeu R$ 40 mil da deputada bolsonarista, Carla Zambelli (PL). Ela o pagou para invadir os sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em julho de 2023, quando foi preso preventivamente na Operação 3FA, e implicou a deputada e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Em depoimento à CPMI na 3ª (15.ago), Delgatti voltou a dizer que a invasão ao CNJ foi negociada com Zambelli. O hacker depôs à PF nesta 6ª feira (18.ago), ocasião em que entregou um áudio da assessora de Zambelli. Segundo o advogado de Delgatti, Ariovaldo Moreira, na mensagem de voz, enviada por WhatsApp, a assessora trata do pagamento para que o hacker invadisse o sistema do CNJ.
“Ele [Delgatti] apresentou ao delegado que preside a investigação um áudio onde esta pessoa, assessora da Zambelli, faz promessa de pagamento”, contou Moreira a jornalistas após a conclusão do novo depoimento de Delgatti à PF.
Zambelli teria 'testado' os serviços do hacker com essa medida para depois levá-lo para uma reunião com Bolsonaro, local onde foi questinado se dava para invadir as urnas e plantar um código fonte fraudulento, para então o candidato ter como questionar a segurança das urnas. O hacker disse na ocasião que a medida não era possível.
Ainda assim, todos os envolvidos podem responder por diversos crimes. O professor de Direito Penal e Processo Penal, Rafael Paiva, disse que se confirmado que agiu como mandante — mentor intelectual — Bolsonaro responderá pelos mesmos crimes do hacker na qualidade de coautor ou participe. “Eles devem responder pelos crimes de tentativa de golpe de estado (359-m do código penal), escuta ilegal (Art. 10 da Lei 9.296), autoacusação falsa (341, do código penal) e incitação ao crime (286, do código penal), regente à promessa de indulto”, entende Paiva.
Segundo Delgatti, o seu 1º encontro com o então presidente durou cerca de 1h30, no Palácio da Alvorada. Na reunião, Bolsonaro também pediu que o hacker conversasse com técnicos do Ministério da Defesa sobre as urnas eletrônicas. Ele disse ter ido 5 vezes ao ministério por “ordem” do ex-chefe do Executivo, que teria escalado militares para mediar as visitas ao órgão.
De acordo com Delgatti, o então presidente também pediu, por telefone, que ele assumisse a autoria de um grampo contra o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A especialista em investigação de crimes digitais, Thaís Molina Pinheiro, explica que boa parte dos sistemas de alta segurança possuem controles específicos para rastrear o acesso e a edição de dados. “A não ser que o hacker tenha um conhecimento extremamente aprofundado e específico no sistema invadido, dificilmente fará alterações sem que estas sejam identificadas”, diz Thaís.
No sistema eleitoral, a questão é mais complicada. A invasão às urnas é especialmente difícil, pois elas não ficam conectadas à internet, o que inviabiliza os ataques, explica a advogada. “A única porta de entrada seria a invasão ao código fonte antes de ser atualizado nas urnas, mas dada a segurança do sistema eleitoral, isso dificilmente passaria desapercebido”.
A temperatura, que já havia subido, deu uma leve arrefecida com a desistência de Mauro Cid confessar que a venda das joias foi a mando de Bolsonaro e que ele seria o beneficiário, segundo seu advogado.
No âmbito das investigações do esquema de venda das joias, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-presidente e da ex-primeira-dama, feito pela Polícia Federal (PF). Além do casal, foi autorizada a quebra de sigilo de Mauro Cid e do general da reserva Mauro César Lourena Cid, pai de Mauro Cid.
Fontes:
- Thaís Molina Pinheiro, especialista em Direito Penal e Direito Digital, é pós-graduada em Processo Penal pela Universidade de Coimbra.
- Matheus Falivene, doutor e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
- Rafael Paiva, criminalista, pós-graduado e mestre em Direito e professor de Direito Penal e Processo Penal.