É, em princípio, alvissareira a notícia dando conta da abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Legislativo estadual para investigar as irregularidades na gestão da antiga Enersul (Energisa hoje), tristemente célebre por praticar os preços mais altos pelos serviços de fornecimento de energia elétrica, seja para a indústria, o comércio ou o usuário residencial, e sem quaisquer investimentos em tecnologia, otimização ou modernização de seu setor operacional.
Contudo, é fundamental observar que a referida CPI tem que servir para apurar responsabilidades para que os órgãos competentes possam punir exemplarmente quem cometeu falcatruas. Até porque houve uma CPI com igual finalidade, dois anos atrás, que deu com os burros n’água. Hoje há muito mais a se investigar: embora sem a devida cobertura jornalística, os novos controladores da empresa concessionária dos serviços de fornecimento de energia elétrica denunciaram a existência de um “mensalão” com uma generosa lista de supostos beneficiários.
?O fato é que o consumidor (em outras palavras, a população) não pode ser penalizado pela impunidade. E reiteramos a afirmação por termos sido, em 2003, como membro do Legislativo estadual, responsável pela realização de audiências públicas em todo o estado e, em 2006, autor do pedido de instalação da primeira CPI da Enersul, cujos trabalhos foram suspensos no mesmo ano, por decisão judicial. Aliás, diga-se com todas as letras que o Judiciário estadual tem responsabilidade por esse imbróglio, ao ter concedido liminar suspendendo a CPI de 2006, detentora de uma forte mobilização desde o seu início, em 2003. O mesmo deve ser dito sobre o Judiciário federal, que em 2003, por meio do TRF (Tribunal Federal de Recursos) de São Paulo, igualmente foi omisso quando julgou improcedente a ação civil pública do MPF (Ministério Público Federal), que questionava os critérios que permitiam os reajustes abusivos.
Longe de pretender uma retaliação a um dos expoentes da oposição ao atual Governo Federal, mas a falha original ocorreu, indiscutivelmente, em 1997, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu a sua obsessiva “desestatização” sob os cânones do Estado mínimo. Nesse contexto, sob a batuta do núcleo de poder do governo de FHC, o Executivo estadual, com o aval do Legislativo, privatizou a Enersul utilizando um modelo de concessão onerosa, em que o objetivo principal era fazer caixa para os governos estaduais e federal.
Na época, a ANEEL não dispunha de condições nem seu pessoal estava preparado para ser eficiente – afinal, tratava-se de uma instituição recém implantada, desprovida de know-how e instrumentos efetivos que lhe proporcionassem uma intervenção qualificada. Mas, a bem da verdade, a ANEEL e sua homóloga sul-mato-grossense nunca atenderam aos interesses dos consumidores em toda a sua existência – tanto assim que com as inúmeras evidências de irregularidades, até a presente data não tomaram as devidas providências em defesa dos interesses dos milhões de consumidores, espoliados cinicamente em nome da modernidade.
A despeito de sua honrada população e da existência de homens e mulheres de probidade exemplar, Mato Grosso do Sul, desde a sua criação em plena ditadura, tem dado sobejas provas de estar vocacionado para a fraude de genialidade duvidosa. E, de mais a mais, chega a causar indignação tamanha a parcimônia de influentes setores da sociedade com o embuste institucional, sobretudo nos últimos nove anos de mandonismo e truculência.
O estado que, no dizer dos louvadores do regime de 1964, nascera “para ser modelo” tem protagonizado aberrações insólitas, como essa da Enersul / Energisa. Cabe agora aos homens e mulheres sinceramente comprometidos com a ética e os princípios da administração pública fazer a urgente correção de rota, sob pena de as próximas gerações cobrarem de nós pela omissão daqueles que se locupletaram com o dinheiro do contribuinte.
(*) Semy Alves Ferraz é engenheiro civil, ex-deputado estadual e ex-secretário de Infraestrutura, Habitação e Transportes de Campo Grande.