"Tenho fé e ando armado". Esta foi uma das expressões espetaculosas do discurso que o deputado federal Tio Trutis (PSL/MS) fez ontem na Câmara, ao comentar o episódio em que afirma ter sido alvo de um atentado e trocado tiros com os supostos pistoleiros. Na madrugada do último domingo (16), na BR-060, no trecho entre Campo Grande e Sidrolândia. Seu carro Corola de fato teve a estrutura toda crivada de balas. No entanto, o episódio é visto como 'cena estranha' por especialistas nesses casos.
Atentado ou não, ninguém saiu ferido com um arranhão sequer e a versão contada pelo deputado caiu num poço de dúvidas da opinião pública, Depois de recusar-se a falar a uma imprensa “sem credibilidade”, segundo suas palavras, e para reafirmar o que diz, usou a tribuna da Câmara para denunciar quem são seus inimigos: todos e ninguém.
Exatamente isso. Trutis fez acusações genéricas e chamou para si méritos e iniciativas que denotam heroísmo no enfrentamento de – segundo afirmou – políticos financiados pelo crime organizado. Salientou que sua eleição contrariou os projetos de políticos e de criminosos que há mais de 30 anos controlam o Estado e formam o que denominou de “consórcio de inimigos”.
Trutis, sobre si mesmo, garante estar lutando sozinho contra praticamente todo mundo, já que “no mínimo um terço” dos deputados estaduais deveriam estar presos. Refere-se à prisão do empresário Jamil Name – acusado de chefiar um grupo de extermínio – como uma obra elogiável do Garras, enquanto logo em seguida investe verbalmente contra os últimos três governadores, todos “eleitos por contrabandistas e pelo crime organizado”.
SEM PISTAS
Contraditório e de fracos recursos retóricos, Trutis não forneceu uma pista sequer sobre quem tentou mata-lo ou quem contratou a suposta empreitada. Fez acusações genéricas, mas de dúbio contexto, sem afirmar, por exemplo, se o tal atentado teria sido feio por encomenda de um poder ou de agentes públicos específicos. Mas, ardilosamente, fez isso para que a opinião pública, e não ele, associasse os disparos contra seu carro a um dos alvos contra os quais dirigiu sua retórica acusatória.
Além do discurso na Câmara, Trutis vem utilizando seu perfil nas redes sociais para reverberar as coisas a seu modo. Coloca-se como vítima, porém não indefesa. Esnoba, apoteótico: “Não existe morte mais gloriosa que uma morte em combate. Não irão me calar. As pessoas de bem do Mato Grosso do Sul estão comigo”. Ou procura comover: “O que pra muita gente é armação, para minha mãe que ora com joelho no chão é livramento”.
A bravata, que faz soar como um brado de coragem, é cinematográfica: “Não vão me intimidar. Não vão me calar. No Mato Grosso do Sul são apenas oito deputados federais, a maioria já tem carreira política consolidada, sobrenome consolidado. A chance do crime organizado [nas eleições de 2018] era fazer uma ou duas vagas, coisa que foi impedida quando pessoas como eu, cidadãos comuns saíram de sua zona de conforto. Quando me candidatei e fui eleito, frustramos os planos do crime organizado”.
ROCAMBOLESCO
No entanto, é necessário considerar a versão sustentada por ele e esperar pelos laudos periciais e investigações da Polícia Federal, sem o que não se pode desmenti-lo. E por mais rocambolesco que sejam a presença e o protagonismo desse personagem, as acusações que fez são gravíssimas. “Os leigos e engraçadinhos esquecem que no MS o crime organizado sempre teve participação na política. Cigarreiros, traficantes e líderes de esquadrões da morte se tornaram vereadores, deputados, e quase fizeram até um governador”.
E continua, em um de seus textos no Facebook: “Esses políticos, com a ajuda do crime organizado, colocam milhões de reais na imprensa local, que por isso também não é confiável. Igualmente, ninguém tem coragem de dizer isso! Então, antes de fazer uma piada ou dizer que foi uma simulação, lembre-se que esse grupo está em todas as esferas do poder há mais de 30 anos. Em 2018 eu quebrei esse ciclo ficando com uma das vagas de deputado federal”.
Adepto da fixação armamentista do presidente Jair Bolsonaro – em cuja onda conseguiu os votos de deputado federal -, Trutis faz reptos provocativos vestido de herói da vez: “Não me deixei intimidar pelos políticos que tem ligação com esses grupos! Agora um consórcio de inimigos se une para acabar comigo. Graças a Deus pude reagir, antes com minha voz e agora com minha arma. Vamos viver novos tempos, não vão me parar, não vão me calar! Tenho fé e ando armado”.
Não satisfeito, repetiu e renovou ameaças: “Vou continuar batendo na Assembleia Legislativa, aonde no mínimo um terço teria que estar preso. Tenho vergonha de estar num estado aonde um líder do governo, um deputado estadual, fez campanha preso e tem orgulho de dizer que só fez 30 mil votos porque estava preso”.
Pelo que anda escrevendo nas redes sociais e pelo discurso que fez na Câmara, ambos de conteúdo pobre e demagógico, mas perigosamente instigador, Trutis faz jus ao que tem em comum com seu líder maior, Jair Bolsonaro: boquirroto, falastrão e deseducado, é hoje com certeza um dos mais pífios e despreparados dirigentes políticos do planeta.