Uma das marcas definitivas da política brasileira na última semana do ano é a consolidação do ex-presidente Lula (PT) como elemento central e regulador da dinâmica eleitoral que vai funcionar em 2022. Ele já tem, naturalmente, o domínio das ações mais importantes que dominam o núcleo da disputa – e é com esse nutriente que vai entrar em 2022 para fazer o fechamento daquela que será uma das mais significativas composições de forças na história das eleições presidenciais no Brasil: a federação de partidos.
Criada pelas novas regras da legislação eleitoral, o instituto da federação veio para substituir ou compensar a proibição das coligações. No caso de Lula, esta formação vai reunir legendas e lideranças de esquerda, centro-esquerda, centro e até de direita. A simbolizar a emblemática solução está a possibilidade de uma chapa com Lula para presidente e o ex-governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, para vice.
A dupla chega a ser insólita no contexto sucessório nacional. São um petista de centro-esquerda e um conservador que até o mês passado tinha toda sua trajetória na política vinculada ao PSDB e a seus embriões ideológicos. A aliança federada pode até não acontecer, mas Lula e Alckmin já celebraram um acordo pelo qual caminharão lado a lado contra o projeto de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Há interesses regionais muito sugestivos em jogo, especialmente a sucessão paulista, na qual Alckmin é o maior favorito. Sem ele na disputa, o segundo colocado nas pesquisas, o petista Fernando Haddad, assume o favoritismo. Assim, a disputa pelo governo paulista cria um impasse no caminho do acordo Lula-Alckmin. Mas não é uma barreira intransponível e dos dois lados já ecoam manifestações de interesse na aliança. Enquanto ela não acontece, deve perdurar um pacto de não-agressão entre petistas e ativistas do PSB, partido que deve ser o novo abrigo de Alckmin.
INTERESSE MAIOR
O deputado federal Vander Loubet (PT/MS), que é um dos articuladores da candidatura do ex-governador Zeca do PT e está encorpado no grupo que trabalha a chapa e o programa de Lula, analisa que a federação vai reunir em torno de Lula lideranças qualificadas e conscientes da importância histórica desse entendimento. “O PSB tem afinidade programática com o PT. Da mesma forma, o PV, o PCdoB e outros partidos. Mas não é só de esquerda que s forma a federação. É de todas as forças que querem fechar as portas ao fascismo, impedir que Bolsonaro continue matando a democracia e envergonhando a Nação”, pontua.
Para Vander Loubet, o interesse maior das forças que se unem em torno de Lula é acabar de vez com qualquer chance de reeleição de Bolsonaro e de possível tentativa de golpe. Ele não acredita em terceira via, “porque não há mais tempo e nem conjunturas práticas para isso”. E salienta que o Brasil já experimenta a sensação de estar isolando o bolsonarismo, mesmo antes das eleições.
“Vamos ter impactos bastante expressivos no jogo das eleições estaduais, em função do avanço nas conversas entre Lula e Alckmin. Independentemente de aliança ou não, com ou sem chapa, só o nível de diálogo que ambos realizam já indica que o PT sabe se articular com toda a sociedade, indo além do campo de esquerda, e que as forças conservadoras, representadas nesse caso pelo Alckmin, não temem qualquer trauma político ou institucional elegendo um presidente de esquerda. Esse tipo de preconceito está desmoronando, assim como o PT melhora sua capacidade de autocrítica e de avaliação conjuntural, podendo aprofundar ainda mais sua relação com a sociedade como um todo”, raciocina Vander.
ISOLAMENTO
As considerações de Vander remetem a dois espaços no tabuleiro sucessório. No panorama nacional, a possível junção de forças em torno de Lula, alimentada por Alckmin e segmentos mais conservadores, já produz seus efeitos no bolsonarismo, haja vista as perdas cada vez maiores e mais constantes no exército de seguidores de Jair Bolsonaro.
Só para citar alguns, hoje são ex-bolsonaristas ou se desencantaram com o presidente alguns famosos que estiveram entre seus mais inflamados apoiadores: o historiador Marco Antônio Villa, o guru Olavo de Carvalho, jornalista Rachel Sheherazade, os cantores Lobão e Fagner, o cineasta José Padilha, o ator Thiago Lacerda, o falecido jornalista Gilberto Dimenstein, o editorialista Reinaldo Azevedo, o deputado federal Luiz Miranda (DEM/DF), que inspirou a CPI da Covid, os deputados Joice Hasselmann, Kim Kataguiri (líder do MBL) e Alexandre Frota; o falecido senador Major Olímpio, generais Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, e Otávio Rêgo Barros, ex-porta-voz da Presidência.
O mesmo ocorreu com os empresários Paulo Marinho, um dos principais apoiadores da campanha em 2018, e Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria Geral da Presidência, que morreu em março de 2020. Tem mais: o governador João Dória, de São Paulo; o ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta; o ex-ministro Sérgio Moro, agora pré-candidato a presidente e crítico ferrenho de Bolsonaro; a deputada estadual Janaína Paschoal; e o senador Jorge Kajuru.
Vander então completa, indagando: “E aqui em Mato Grosso do Sul, quem é o candidato ao governo que vai querer ficar dentro de um barco que começa a afundar? Por isso mesmo estamos conversando com todos os pré-candidatos. O André Puccinelli, a Rose Modesto, o Eduardo Riedel, o Marquinhos Trad, todos sabem que quando subirem num palanque ou forem a um programa de tevê terão diante de si um público que acompanha as eleições nacionais e está ciente do isolamento do presidente, sabendo que o governo de Bolsonaro já fracassou e que é preciso uma atitude para impedir que o caos ganhe mais quatro anos”, conjectura o parlamentar.