23 de dezembro de 2024
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Editorial

Câmara da Capital pode se firmar como poder independente, mas apenas se quiser

O escândalo envolvendo o vereador Alceu Bueno é a “crise” que pode se transformar em bem-vinda “oportunidade”, mas vai depender da determinação dos vereadores nesse sentido.

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A Câmara Municipal de Campo Grande vem fragilizada desde antes das eleições de 2012, quando Cristóvão Silveira (PSDB) foi denunciado pelo MPF (Ministério Público Federal) por uso ilegal de verba pública e publicidade indevida; Paulo Siufi, presidente da Casa por dois mandatos consecutivos (2009-2012), foi preterido a postular a indicação pelo PMDB a disputar a prefeitura da Capital, perdendo para Edson Giroto que pertencia ao PR, foi sacado do partido pelo ex-governador André Puccinelli e imposto aos peemedebistas; e os vereadores do PMDB, Magali Picarelli, Clemêncio Ribeiro e Loester Nunes (que se transferiu do PDT para o PMDB naquele ano), perderam suas cadeiras.

Pouco antes das eleições, os vereadores brindaram-se com um reajuste salarial de 61.97% e os rendimentos dos eleitos que seriam diplomados em janeiro passaram de R$ 9.280 para R$ 15.031. O plenário ganhava 13 novatos: Chiquinho Telles, Coringa e Delei Pinheiro (PSD); Cazuza e Chocolate (PP); Gilmar da Cruz (PRB); Ayrton de Araújo (PT); Eduardo Romero e Otávio Trad (PTdoB); Engenheiro Edson (PTB); Carla Stephanini (PMDB); Luiza Ribeiro (PPS); e Elizeu Dionizio (PSL, depois SD) e se formava uma bancada de 21 vereadores francamente de oposição ao prefeito eleito, Alcides Bernal (PP). Em pouco tempo a bancada de oposição aumentou para 23 dos 29 vereadores.

Veio a eleição da Mesa Diretora e, ai ficou caracterizado os limites de independência do legislativo da Capital. O governador André Puccinelli (PMDB) fez questão de assistir da primeira fila a eleição do nome por ele ungido e para manter a hegemonia de 28 anos de poder peemedebista na Câmara da Capital após a derrota pelo voto que havia sofrido em outubro.

E a recente história é conhecida e sabida, mas não plenamente entendida. Uma Comissão Processante foi formada e, por meio de sua deliberação, o prefeito eleito por mais de 270 mil votos, cassado. (Nessa época, por indicações e outros foi um troca-troca como se as sessões fossem ocupadas por edis de plantão, e isso durou até pouco além das eleições de 2014. Por fim veio o também novato Francisco Saci do PRTB.) Em clima de euforia, aquela Casa que havia seguido a reboque dos prefeitos petistas por 20 anos, parecia que por fim alcançaria o Olimpo. Foi o mais crasso de todos os erros que se somavam. Ficou refém de um prefeito não eleito, que desconhece a liturgia do cargo e transita com igual desenvoltura entre as editorias política e policial, sempre de forma negativa.

Alvo de toda sorte de críticas pela blindagem explícita e excessiva em que mantém o alcaide, a tal ponto de concordar e buscar justificativas quando o gestor descumpre leis, e exercitar estranhas matemáticas para justificar um dinheiro que nunca há e que não se sabe por quais escaninhos perambula; qualquer discussão que implique desviar as atenções dessa estranha aliança é uma benção a se derramar como um manto a impedir a visão límpida dos eleitores sobre os negócios da Casa.

Escândalo Alceu Bueno

Como prova de que nem sempre a heterogeneidade é benéfica, políticos eleitos à base de votos atrelados a determinado segmento, seja qual for, nem sempre correspondem à moral e ética deste segmento, a Câmara se vê, para sua salvação e perdição, envolvida e exposta, tendo que optar por uma cirurgia que lhe extirpe um tumor (ou mais), ou deixar-se tomar pelo mal que criou e alimentou em suas entranhas.

E o desencontro foi tanto que o presidente da Câmara, Mario Cesar (PMDB) teve que se retratar de uma declaração divulgada por um site de notícias que atribuiu a ele a seguinte frase em relação ao escândalo de exploração sexual de menores: “O vereador foi induzido a se relacionar com adolescentes”.

Não faltaram comentários pelas redes sociais: - “chego a ter pena desse senhor tão inocente, tão induzido por essas menores víboras…. coitadinho….”; - “Para com esse corporativismo Mario Cesar, o cara é maior, conhecedor da palavra, não sei se é casado e se for pior ainda, não é uma criancinha que vai pela cabeça dos outros, quero ver se fosse uma parente sua se taria com esse discurso.”; - “Se é tão fraco assim que se deixa induz por uma criança, acho que ele deveria renunciar pois não tem capacidade de ser vereador, porque ai dentro tem gente com maior poder de influência que as meninas, ai ele não vai votar como devem ser votadas as matérias em favor da população, ele pode ser influenciado por pessoas que não tem compromisso.”.

Na mesma tarde, Mário César postou em seu perfil e página oficial em uma rede social, que a publicação feita é de inteira responsabilidade do autor e que ele acabou sendo mal interpretado pelo veículo de comunicação. Disse ainda em nota, que “não estou defendendo ninguém” e muito menos julgando. De acordo ainda com a nota divulgada, afirmou que, se materializado os fatos, “a Câmara não vai passar a mão na cabeça de ninguém”.

Agora, a Câmara da Capital pode se firmar como poder independente, mas apenas se quiser. Se conseguir cortar na própria carne, terá forças para enfrentar até chantagens.

Alceu Bueno é aquele do poder legislativo a cair nas garras da Lei, e todos esperam que se faça Justiça. Se eventualmente este caso cair no esquecimento ou se estender por todo o sempre nos labirintos do Poder Judiciário, enquanto a Câmara arma uma peça teatral sem intenções de punir, antes e pelo contrário, justificar; os três poderes estarão na berlinda aqui na Capital de Mato Grosso do Sul.

O escândalo protagonizado até agora apenas por Alceu Bueno (useiro e vezeiro de estranhos casos), fez recordar que a Câmara que foi tão valente para para se opor à vontade popular expressa nas urnas, e hoje se faz tão vacilante em exercer suas atribuições constitucionais de “fiscalizar os atos do Executivo Municipal também com relação à administração e gastos do orçamento, atendendo às reivindicações e desempenhando a função de mediador entre os habitantes e o prefeito e seus secretários”, após a posse de Gilmar Olarte, aliás, ele também investigado por crimes e respondendo (quando a Justiça tiver um tempo para isso – o tempo do Judiciário) a processo criminal.

Alceu Bueno está perdido, dando declarações e prestando depoimentos que depois é desmentido pelo seu advogado, mas ainda assim é apenas uma pedrinha, que quando tocar a água turva quando for lançada fora, irá mostrar que nesse pântano existem círculos e mais círculos nesse caso de pedofilia e abuso sexual de menores. Essa indústria da marginalidade tem uma rede de clientes ainda oculta, pois certamente não se sustentava de apenas uma vítima. Parece que empresários e políticos locais constam da lista de clientes, portanto, qualquer atitude impensada pode colocar pessoas sob suspeita. E, na política ainda vale a máxima de Julio César: “À mulher de César, não basta ser honesta, deve parecer honesta”.