14 de abril de 2025
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A íntegra da decisão que tornou réu Bolsonaro e 8 aliados golpistas

O acórdão, com mais de 500 páginas, foi publicado nesta 6ª.feira (11.abr.25)

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Em decisão histórica e sem precedentes na República brasileira, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu integralmente a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e outros oito investigados, acusados de participação em uma tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. 

O acórdão, com mais de 500 páginas, publicado nesta 6ª.feira (11.abr.25), a íntegra, detalha os fundamentos jurídicos, provas, colaborações premiadas e argumentos de defesa rejeitados pela Corte, marcando um novo capítulo no enfrentamento de ataques à democracia brasileira.

A denúncia se insere no contexto das investigações sobre os atos extremistas de 8 de janeiro de 2023, quando sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas por golpistas bolsonaristas.

De acordo com o relator, ministro Alexandre de Moraes, esses atos foram apenas a face mais visível de um plano mais amplo e articulado de ruptura institucional que teria sido fomentado desde 2022, ainda durante o mandato presidencial de Bolsonaro.

CRIMES COMETIDOS PELOS ACUSADOS

A denúncia foi recebida com base em indícios de autoria e materialidade de diversos crimes graves, como:

  • Organização criminosa armada (Lei 12.850/13)

  • Tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal)

  • Golpe de Estado (art. 359-M do CP)

  • Dano qualificado contra o patrimônio da União (art. 163, parágrafo único, I, III e IV, do CP)

  • Deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei 9.605/98)

Além de Jair Bolsonaro, outros oito nomes foram formalmente denunciados: Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson Torres, Augusto Heleno, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto e Alexandre Ramagem, que ainda exerce mandato de deputado federal.

ESTRUTURA DO ACÓRDÃO

O acórdão dedica as primeiras centenas de páginas à análise minuciosa de questões preliminares levantadas pelas defesas. Entre elas, alegações de suspeição dos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino foram rejeitadas de forma unânime, com base em precedentes da própria Corte.

Também foram afastadas, por maioria, alegações de incompetência do STF para julgar o caso, sendo reafirmada a competência da Primeira Turma para analisar crimes relacionados a tentativas de golpe, atos antidemocráticos e milícias digitais, conforme novo entendimento vigente desde 18 de dezembro de 2023.

COLABORAÇÃO PREMIADA DE MAURO CID

Um dos principais elementos de prova destacados na decisão foi o acordo de colaboração premiada firmado por Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência. O ministro relator ressaltou que as informações prestadas por Cid foram corroboradas por outras provas independentes colhidas pela Polícia Federal e Ministério Público.

O acordo foi validado pelo STF após rigorosa verificação da voluntariedade, legalidade, regularidade e eficácia da colaboração. Cid relatou reuniões e estratégias traçadas no entorno de Bolsonaro para desacreditar o processo eleitoral, fomentar desinformação e pressionar as Forças Armadas.

ROBUSTEZ DE PROVAS 

Entre os elementos de prova utilizados para justificar o recebimento da denúncia, o STF destacou:

  • Relatórios da Polícia Federal, que apontaram fluxos de comando e financiamento entre os investigados.

  • Vídeos de reuniões estratégicas com militares e civis de alta patente discutindo abertamente “alternativas” ao resultado eleitoral de 2022.

  • Conversas interceptadas e registros de deslocamentos entre Brasília, o QG do Exército e instalações militares.

  • Declarações públicas e documentos oficiais, como o minuta do golpe apreendida na casa de Anderson Torres, contendo sugestões de decretação de estado de sítio.

ARGUMENTO DAS DEFESAS

As defesas alegaram nulidades processuais, entre elas:

  • Suposta “pesca probatória” (fishing expedition)

  • Falta de acesso a provas

  • Ilegalidade da simultaneidade nos prazos de defesa entre réus e colaborador

Todas essas alegações foram rechaçadas pelo colegiado. O relator reforçou que “a complexidade da investigação e a quantidade de documentos não configuram cerceamento de defesa”, e que o “amplo e irrestrito acesso aos autos foi garantido a todas as partes”.

O PAPEL DE BOLSONARO

Segundo a denúncia acolhida, Jair Bolsonaro não apenas participou como liderou a organização criminosa. Ele é acusado de mobilizar recursos estatais, utilizar seu cargo para influenciar comandantes militares e propagar desinformação para desacreditar o processo eleitoral e legitimar uma possível intervenção.

O STF entendeu haver justa causa, com base no artigo 395, III, do Código de Processo Penal, para dar início à ação penal, diante da existência de elementos sérios e idôneos de autoria e materialidade.

DESDOBRAMENTOS POLÍTICOS 

Como Alexandre Ramagem é deputado federal, o STF determinou a comunicação à Câmara dos Deputados, que pode, por iniciativa de partido político e aprovação por maioria absoluta, sustar o andamento do processo, conforme o art. 53, §3º da Constituição Federal. A expectativa é que esse debate acirre ainda mais o clima político na Casa Legislativa.

E AGORA?

Com a denúncia recebida, os réus agora enfrentam uma ação penal plena. O processo entra na fase de instrução, com coleta de depoimentos, novas perícias e possibilidade de novas delações. O caso pode durar meses ou até anos, mas o recebimento da denúncia já representa um marco: pela primeira vez um ex-presidente da República é formalmente acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado em pleno funcionamento das instituições democráticas.

A íntegra do acórdão: