23 de dezembro de 2024
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Editorial

Pedofilia: como o Tribunal que inocentou antes vai julgar agora

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Entre os anos de 2003 e 2005 um caso envolvendo o atleta José Luiz Barbosa (Zequinha Barbosa), Luiz Otávio Flores da Anunciação e os então vereadores Robson Martins e César Disney estremeceram o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.

Todos foram condenados por decisão do juiz da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, Luiz Carlos de Souza foi condenado por exploração sexual de três meninas, com 13, 14 e 15 anos de idade. A sentença de César Disney, já falecido, foi de 39 anos de prisão em regime fechado, por estupro e exploração sexual de menores. Robson Martins, porém foi inocentado posteriormente. Zequinha Barbosa foi condenado a cinco anos e quatro meses de reclusão e seu ex-assessor, Luís Otávio da Anunciação, a 7 anos de prisão. A mãe de uma das menores, Antônia Mendes Gomes, pegou 27 anos, como coautora dos crimes.

Todos foram acusados pelas vítimas de que com elas faziam programas e sessões de fotografias pornográficas. O material foi anexado ao processo e serviu para identificar os motéis frequentados pelo grupo. Os advogados recorreram.

Imagem Nacional

O que seria um ato da Justiça e de Justiça, transformou-se num assombroso caso de reinterpretação da Lei ou da reescrita da obra de Jean-Jacques Rousseal, “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, onde defendia que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.

Em 2005, os desembargadores da 2ª Turma Criminal do TJ/ MS, Carlos Stephanini, João Carlos Brandes Garcia e José de Augusto de Souza votaram por unanimidade, a absolvição de Zequinha Barbosa e Luiz Otávio Flores da Anunciação, que tinham sido condenados à prisão por exploração sexual de criança ou adolescente, com o argumento de que “não foi um caso de exploração sexual porque as três meninas, com 13, 14 e 15 anos de idade na época dos fatos, em junho de 2003, já tinham se prostituído antes. A corte, para simples entendimento, quase enfatizou na sentença, que pessoas nascem predestinadas.

“É um retrocesso essa decisão em relação a todo o avanço na área de proteção à criança e ao adolescente”, disse a promotora de Justiça Ariadne Fátima Perondi, que denunciou Zequinha e Anunciação à Justiça.

O procurador de Justiça, Antônio Siufi Neto, recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), acreditando que a decisão dos desembargadores abria precedentes favoráveis à exploração sexual.

A CPI da Exploração Sexual da Criança e do Adolescente do Congresso, instaurada em 2003, presidida pela senadora Patrícia Saboya (PPS-CE), que investigou uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes chegou a apurar o caso e tomar depoimentos dos acusados. A partir da pressão por parte dos parlamentares da CPI (da qual fazia parte o então senador Juvêncio César da Fonseca – PMDB/MS), Zequinha Barbosa assumiu parte das versões contadas pelos outros depoentes: que conhecia uma das meninas (12 anos), que esteve em sua casa e conheceu sua mãe e que usava o automóvel Toyota Corolla utilizado para levar as meninas a motéis. Patrícia Saboya, à época, definiu o caso como “grave”.

Imagem internacional – 2008

O caso ganhou repercussão internacional, que provocam indignação, choque e comoção, quando em 2008, o STJ ao julgar o processo, os ministros do tribunal interpretaram que não houve exploração sexual. O assessor de Barbosa foi condenado apenas por fotografar as adolescentes, mas ambos foram absolvidos pela prática de sexo com as adolescentes. O voto do relator do processo no STJ, ministro Arnaldo Esteves Lima, acompanha o entendimento do Tribunal de Justiça sul-mato-grossense.

Segundo o texto do tribunal do Estado, não houve exploração sexual porque as meninas “já estão corrompidas” e eram “prostitutas reconhecidas”. A sentença do STJ causou revolta em juízes, advogados e militantes pelos direitos da criança em todo o País. “Houve uma interpretação equivocada”, criticou à época o juiz federal Francisco de Oliveira Neto, vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros. “Infelizmente, hoje o cliente da prostituição infantil está livre de punição.”

A procuradora Ariadne de Fátima Cantu Silva, do Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul, recorreu da decisão ao Supremo Tribunal Federal e considerou que o raciocínio é “extremamente cruel” e “legaliza a prostituição infantil”. Em sua opinião, a conclusão dos julgamentos leva a crer que “não é crime pagar por sexo com uma adolescente se ela já está corrompida. Só seria punível aquele que a corrompeu primeiro. Isso é muito sério”, aponta.

O Ministério Público Federal também se envolveu e resolveu apelar ao STF para tentar condenar a dupla por exploração sexual de menores. A manobra pretendia pelo MPF era levar a questão ao STF sob o regime da Repercussão Geral. Assim, a decisão serviria de referência para todas as outras ações de conteúdo semelhante. O subprocurador-geral da República pretendia convencer o Supremo o argumento de que o STJ desrespeitou preceito constitucional, daí a necessidade da palavra final por parte do Supremo.

Em nota de esclarecimento publicada pelo STJ sobre a decisão, a corte atribuiu a culpa para o MP que, segundo o tribunal, errou na acusação. “Quem pratica relação sexual com criança ou adolescente menor de 14 anos pode ser enquadrado no crime de estupro mediante a combinação de dois artigos do Código Penal. O STJ não julgou, e nem poderia porque não foi provocado e porque a questão não foi prequestionada”, disse o tribunal.

Para o MPF, a acusação baseada no ECA foi correta. “O recurso foi bem manejado”, além disso, o STJ deveria ter julgado o fato, e não especificamente a tipificação do crime. “Essa afirmação (do STJ) não resiste a uma análise mais profunda. As partes devem se defender é dos fatos de que são acusadas.”

Sob o título “ONU critica decisão do STJ de absolver homens que fizeram sexo com menores no MS” o jornal O Globo publicou em junho de 2009, publicava em matéria que o O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) criticou a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de manter a sentença do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJ-MS) que absolveu dois homens que fizeram sexo com menores do Mato Grosso do Sul.

Segundo a nota do Unicef, o argumento usado pelo STJ é o de que os acusados não cometeram um crime uma vez que as crianças já haviam sido exploradas sexualmente anteriormente por outras pessoas. Além disso, segundo a ONU, a decisão causa a indignação em razão da insensibilidade do Judiciário para com as circunstâncias de vulnerabilidade as quais as crianças estão submetidas.

Em discurso no Senado em 2009, o senador Magno Malta (PR-ES), que viria a presidir a CPI da Pedofilia em 2010, disse: “(….) aquela decisão do STJ, que mandou soltar Zequinha Barbosa e o técnico dele, dizendo que as crianças eram prostitutas. Pelo amor de Deus, Ministro de Tribunal Superior! Ministro, não existe criança prostituta, não, Ministro! Criança é levada à prostituição. Ministro de Tribunal Superior dizer que uma criança de treze anos é prostituta…. É um negócio difícil isso. V. Exª não precisa nem evocar a paternidade nem a maternidade. Isso não é sentimento para quem tem pai e mãe. É sentimento de quem tem alma."

E agora, como julgar?

O que esperar, agora, do desenvolvimento das denúncias envolvendo o vereador Alceu Bueno? As meninas envolvidas também nasceram prostitutas? O fato de Alceu Bueno ter denunciado a extorsão o fará vítima e não agente de abuso sexual de menor?

Luciano Pageu é dono do Grupo Altar, que realiza shows e palestras gospel e edita a revista Altar, e que segundo o vereador Alceu Bueno, que é pastor evangélico, quando Luciano o procurou, invocou Deus ao dizer que lhe levava ajuda nesse caso: “Deus te blindou. Caíram umas meninas que iriam te extorquir, mas por acaso essas meninas estavam hospedadas na casa de um funcionário meu”, segundo depoimento dado à polícia civil.

O advogado Ramão Sobral entrou com recurso para pedir liberdade provisória do ex-vereador de Campo Grande, Robson Martins, argumentando – segurem-se – que Robson Martins é “pessoa de boa índole, possui bons antecedentes e jamais respondeu qualquer processo-crime e ainda, nunca teve participação em qualquer tipo de crime, sendo assim é primário, tem residência fixa nesta cidade e comarca, bem como também possui profissão definida, advogado militante nas causas sociais, família constituída, inclusive com netos de apenas três meses, o qual reclama da ausência do pai, que sempre trabalhou para o sustento da família”. Vale lembrar que em 2003 ele foi inocentado pela justiça das acusações de exploração sexual.

Resta saber como o mesmo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que inocentou Robson Martins, Zequinha Barbosa, Luiz Otávio Flores da Anunciação e César Disney, vai julgar agora. Resta ainda saber se agora, que o caso não envolve um personagem conhecido nacional e internacionalmente, o STJ, em caso de veredito de inocência aqui em Mato Grosso do Sul, vai acolher a decisão.

Câmara Municipal

César Disney e Robson Martins, quando à época foram acusados de exploração sexual infantil, renunciaram ao cargo, momentos antes de serem julgados por seus pares pois a Câmara, presidida por Youssif Domingos, já havia aberto o processo contra eles, por quebra de decoro parlamentar e comportamento indigno com a Casa, e se livram da ameaça de ter os direitos políticos cassados por oito anos, consequência imediata da cassação.

Resta saber como essa nova composição da Câmara Municipal de Campo Grande reagirá, se vai cortar na própria carne, ou agir pela máxima “vereador gosta de vereador”.


Para os textos da época foram utilizados como fontes os jornalistas João Naves de Oliveira, Hudson Corrêa (Agência Folha) e Francisco Alves Filho (Revista Isto É).