A Justiça Militar da União, em sua primeira instância em Campo Grande, condenou uma mulher de 55 anos a três anos e três meses de reclusão por estelionato. A acusada, identificada como falsa pensionista, teria recebido quase R$ 4 milhões dos cofres públicos ao longo de mais de três décadas, após falsificar documentos para se passar por “filha” de um ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB). A fraude foi descoberta em 2021, e a sentença foi proferida no ano passado. A defesa recorreu da decisão, e o caso agora está em análise pelo Superior Tribunal Militar (STM).
Esquema familiar
De acordo com a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), a fraude teve início em 17 de outubro de 1988 e só foi descoberta em maio de 2022. A neta, então com 15 anos, foi registrada falsamente como filha do ex-combatente para que pudesse receber sua pensão especial após a morte do idoso. A avó paterna da acusada, irmã e procuradora do veterano, foi a mentora do esquema. Como o ex-combatente não tinha filhos ou dependentes, a avó elaborou a falsificação para que o benefício permanecesse na família.
Em 1986, a avó e a neta foram a um cartório em Campo Grande e alteraram o nome e a data de nascimento da menor, registrando-a como filha do pensionista. Após o falecimento do idoso, em 1988, a avó deu entrada na habilitação de pensão junto ao Exército, garantindo que os proventos de segundo-sargento passassem a ser pagos à jovem a partir de 1989. A cada mês, a neta repassava uma parte do valor para a avó, conforme acordo entre as duas.
Descoberta e abertura de inquérito
O esquema só foi revelado em dezembro de 2021, quando a avó, insatisfeita com os repasses, denunciou a neta à Polícia Civil e ao Exército, informando que a acusada era, na verdade, sobrinha-neta do ex-combatente, e não filha. Com a abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM), a fraude foi confirmada, e os pagamentos foram suspensos em maio de 2022.
Em depoimento, a acusada confessou que adotava a identidade falsa unicamente para receber a pensão e que sabia não ter direito ao benefício. Afirmou ainda que, ao longo dos anos, a avó a ameaçava denunciá-la sempre que o repasse combinado não era cumprido. A avó, entretanto, não foi denunciada por já estar falecida à época da apuração.
Sentença e recurso
A acusada foi denunciada pelo MPM pelo crime de estelionato, previsto no Código Penal Militar. O juiz Luciano Coca Gonçalves, da Justiça Militar em Campo Grande, proferiu a sentença de forma monocrática, condenando a mulher a três anos e três meses de reclusão em regime aberto, sem direito à suspensão condicional da pena. Além disso, determinou a reparação mínima do dano causado ao erário no valor de R$ 3.723.344,07.
Na sentença, o magistrado destacou que a acusada agiu com dolo acentuado, pois continuou a receber o benefício mesmo após ser aconselhada pelo marido a interromper a prática ilícita. Também considerou em desfavor da ré a extensão do dano ao erário, que se estendeu por mais de 30 anos. “Assim agindo, a denunciada cometeu o delito de estelionato, tendo em vista que utilizou-se de sua falsa condição de dependente como meio de obter vantagens pecuniárias ilícitas, em prejuízo do erário, mantendo em erro a Administração Militar de modo continuado.”
Tramitação no STM
A defesa recorreu da decisão junto ao Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília, pedindo a absolvição ou a revisão da pena. Em setembro de 2023, o ministro relator Odilson Sampaio Benzi votou por negar provimento ao recurso e manter a condenação. No entanto, o ministro Artur Vidigal de Oliveira solicitou vista do processo para realizar uma análise mais detalhada. Ainda não há data prevista para que o caso volte a ser julgado pelo plenário da Corte.
Enquanto o processo aguarda nova deliberação, a sentença de primeira instância permanece válida, reforçando o entendimento da Justiça Militar sobre a gravidade dos crimes cometidos contra a Administração Pública e a importância de reparações financeiras ao erário.