Durante o 2º ano do governo de Jair Bolsonaro, que apregoa intolerância contra as identidades de gênero e privilegia o discurso conservador e religioso, o Brasil quebrou o próprio recorde de assassinatos contra mulheres trans e travestis em 2020, com um total de 175 casos de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), responsável por um levantamento divulgado nesta 6ª-feira (29.jan.21), data em que também é lembrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Ceará registrou 100% de aumento de casos, Nordeste teve até 137% em aumento de casos.
Entre 2017 e 2020, o Brasil registrou 641 assassinatos de pessoas trans no Brasil, segundo o dossiê.
Em números absolutos, São Paulo foi o estado que mais matou a população trans em 2020, foram 29 assassinatos, significa 38% de aumento de casos em relação ao ano de 2019. O estado lidera a violência contra pessoas trans pelo segundo ano consecutivo.
Mato Grosso do Sul é o 21º colocado no ranking, apresentando 2 mortes de pessoas trans registradas em 2020.
“Infelizmente os números ainda são alarmantes, as pessoas trans são vulnerabilizadas e marginalizadas, a violência que sofrem é devido a discriminação de gênero. Precisamos aprender a respeitar o próximo, mudar nosso comportamento quando achamos que determinado fato ou pessoa não se enquadra nos padrões impostos pela sociedade. Precisamos evoluir e cada dia mais reforçarmos nossas políticas públicas para que sejam eficientes e eficazes para diminuir esses índices”, explica o subsecretário Estadual de Políticas Públicas LGBT, Frank Rossatte.
O Ceará teve 22 casos, aumentou em 100% o número de assassinatos em relação a 2019; Bahia, registrou 19 assassinatos e aumento de 137,5% em relação a 2019; Minas Gerais, saiu de cinco casos para 17; e o Rio de Janeiro se manteve na 5ª posição, indo para sete casos em 2020 – aumento de 43%; Alagoas, com Progressão Bimestral registrou oito assassinatos; Pernambuco, Rio Grande do Norte e RN com sete casos cada; Paraíba, Paraná e Rio Grande do Sul com cinco; Goiás, Mato Grosso, Pará e Santa Catarina com quatro; Amazonas, Espírito Santo, Maranhão e Rondônia, com três; Distrito Federal, Piauí e Sergipe, com 2 casos cada; e Acre, Roraima e Tocantins com um assassinato cada. Não foram encontrados casos reportados na mídia no Amapá, segundo o levantamento.
A maior concentração dos assassinatos em 2020 foi vista na Região Nordeste, que apresentou aumento de 6% com 75 assassinatos (43% dos casos). Em seguida, vemos a Região Sudeste, que aumentou 4%, com 59 (34%) casos; a Região Sul com 14 (8%) assassinatos; o Norte, com 13 (7%) casos; e Centro-Oeste, com 12 (7%) assassinatos. Em 2020, o Nordeste e Sudeste seguiram aumentando, como havia ocorrido em 2019. Desde 2017, ano que iniciamos essa pesquisa, o Nordeste segue como a região que mais assassina pessoas trans do país.
O aumento no último ano, entretanto, é especialmente preocupante quando se consideram as medidas de isolamento social impostas pela pandemia do coronavírus, frisa Bruna Benevides, secretária de articulação política da Antra e responsável pelo dossiê da entidade.
Conforme o dossiê, ao longo dos últimos quatro anos em que essa pesquisa passou a ser realizada, identificamos um ciclo de exclusões/violências que têm sido identificadas como as principais responsáveis pelo processo de precarização e vulnerabilização das pessoas trans. Esse ciclo leva as pessoas trans à marginalização e, consequentemente, à morte, seja por falta de acesso a direitos fundamentais, sociais e políticos, ou, ainda, pela omissão do Estado em garantir o bem-estar social dessa população.
CASOS E SOLUÇÕES
Apesar dos dados alarmantes e das muitas subnotificações de casos de violência contra pessoas trans, histórias se sobressaem e mostram que é possível garantir direitos e ter o respeito da sociedade. É o caso do jovem Estevan Silva, de 29 anos, o primeiro homem trans do Brasil, com documentação reconhecida pelo sistema da Polícia Federal.
“Eu iniciei minha transição no ano de 2016, passei por todo o processo desde o nome social, cirurgia, reposição hormonal, retificação do nome e uma grande vitória foi o meu reconhecimento em 2019 como o primeiro vigilante trans do Brasil”.
Nascido em um lar cristão e tipicamente tradicional, Estevan conta que sempre quis ser igual aos seus irmãos, porém até o momento de saber sobre a transexualidade, assumiu-se como lésbica, tendo o apoio da família. “Eu sempre queria me vestir como os meus irmãos, quando meus seios começaram a crescer eu me escondia, aquela não era a minha identidade. Na época eu vi uma matéria com o Tarso Brant no início de sua transição e me identifiquei, ali eu soube quem eu de fato era, meus pais no fundo sempre souberam e como nossa relação sempre foi muito boa eles me apoiaram, me incentivaram a correr atrás da minha verdadeira identidade”, ressalta.
Quando o assunto é mercado de trabalho as pessoas transexuais e travestis dependem de iniciativas pontuais por parte das empresas, para garantirem seus espaços. No caso de Estevan ele assegura que encontrou empresários comprometidos com o tema e que avaliam o funcionário pelo seu rendimento profissional e não pelo gênero. “Meu primeiro emprego em uma empresa de merchandising, no início da transição, eles me ajudaram a crescer, me respeitaram, acreditaram em mim, afinal pessoas trans também são capazes”.
Vinculado a Subsecretaria Estadual de Políticas Públicas LGBT, o Centro de Referência em Direitos Humanos, Prevenção e Combate a Homofobia (Centrho), oferece serviços de atendimento psicossocial e jurídico ao público LGBT, dentre eles toda a orientação no que tange o processo de transição de gênero e retificação do nome junto aos cartórios.
“Eu busquei orientação no Centrho, lá eles me orientaram sobre todo o processo, me ajudaram muito, ajudaram a mudar a minha vida”, observa Estevan.
O atendimento do Centrho é gratuito e o local funciona de segunda a sexta-feira, das 07h30 às 17h30, junto a Subsecretaria LGBT. “Nosso objetivo é levar orientação e informação. Sabemos que na maioria das vezes somos o suporte de muitas pessoas LGBTs. Sendo assim, entendemos a importância do nosso trabalho em nível estadual. Por isso buscamos contato direto com os municípios como, por exemplo, na emissão da carteira de identificação por nome social e na qualificação dos servidores”, conclui o subsecretário Estadual de Políticas Públicas LGBT, Frank Rossatte.
EVENTO
Em alusão ao dia da visibilidade trans, instituições governamentais e sociedade civil realizarão uma feira cultural, roda de conversa e entrega do Prêmio de Direitos Humanos e Cidadania, as 18h no Centro Cultural José Octávio Guizzo.
DIA DA VISIBILIDADE TRANS
O Dia da Visibilidade Trans foi criado em 2004, quando 27 pessoas trans foram ao Congresso Nacional, em Brasília, em uma campanha elaborada por lideranças do movimento de pessoas trans em parceria com o Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde.
FONTE: EIS O LEVANTAMENTO NA ÍNTEGRA.