O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai analisar um pedido de investigação contra o juiz Rudson Marcos, que inocentou um empresário ao aceitar a tese de "estupro culposo", a modalidade de estupro que só existe no Brasil. O crime não está previsto em lei, mas, segundo o Juiz significaria um abuso sexual praticado sem a intenção do autor. A decisão saiu da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, assinada por Rudson.
Além de o Brasil ser um dos países mais violentos contra mulheres no mundo (o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas pra os Direitos Humanos), na audiência de instrução e julgamento do processo, o magistrado permitiu que o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, que defende o acusado de estupro, humilhasse a vítima no processo, chegando a dizer que a jovem tem como "ganha pão" a "desgraça dos outros", a intervenção contra o advogado não ocorreu nem quando foram mostradas fotos sensuais da jovem, sem qualquer relação com o fato apurado, para questionar a acusação. Como se ao postar fotos a jovem tivesse dado aval ao suspeito.
O pedido de investigação contra o juiz foi apresentado pelo conselheiro do CNJ Henrique Ávila à corregedoria do órgão. Ávila quer que sejam averiguadas responsabilidades do magistrado na condução da audiência por meio da abertura de uma reclamação disciplinar. A proposta deve ser apreciada pelo plenário do Conselho.
"O que eu assisti é chocante. Precisamos avaliar aprofundadamente para apurar responsabilidades", disse Ávila ao Estadão. "As chocantes imagens do vídeo mostram o que equivale a uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual", escreveu o conselheiro no pedido.
O processo é de 2018. O estupro, conforme relato de Mariana Ferrer, ocorreu em 15 de dezembro daquele ano em uma badalada em Jurerê Internacional, Florianópolis. O empresário André de Camargo Aranha era o acusado. Na primeira instância, foi inocentado. O caso voltou à tona nesta 3ª-feira, (3.nov.2020), após o site The Intercept Brasil trazer imagens inéditas da audiência de julgamento.
Na gravação, o advogado de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, dispara uma série de acusações contra Mariana, que chega a ir às lágrimas e implora ao juiz que preside a audiência: "Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente. O que é isso?" As imagens da audiência provocaram reações no meio jurídico.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou que as cenas "são estarrecedoras".
As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram.
— Gilmar Mendes (@gilmarmendes) November 3, 2020
O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas também repudiou a maneira como a audiência de julgamento foi conduzida. "Poucas vezes vi algo tão ultrajante. Especialistas em Direito Penal certamente falarão com propriedade sobre a tese do estupro culposo, que confesso desconhecer. O vídeo é aviltante e dá impressão de que não havia juiz presidindo a audiência ou Promotor fiscalizando a lei. Havia?", escreveu ele.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o advogado de defesa, o Ministério Público e o juiz “rasgaram lei e desonraram Justiça”. A senadora afirmou ter assistido ao vídeo do julgamento, ocorrido em setembro, divulgado nesta terça em reportagem do The Intercept Brasil.
“Assisti vídeo, Mari Ferrer. HUMILHAÇÃO. Advogado e juiz rasgaram lei e desonraram Justiça. MP alegou estupro culposo, tipificação inexistente. Réu absolvido. Cuspida na cara das brasileiras, que exigem respostas: OAB, código de ética. CNMP e CNJ, investigação e punição exemplar”, escreveu a senadora em suas redes sociais.
O The Intercept mostrou as imagens do julgamento:
Fonte: Estadão Conteúdo.