“O presidente Lula é algo diferente. É um fenômeno para ser analisado no futuro. Porque ele independe do êxito do seu governo para ter uma grande avaliação por parte da população.” Aécio Neves (PSDB). Este era o Lula.
“Segundo pesquisa Datafolha feita após os protestos do dia 15 de março, 67,9% dos brasileiros consideram que Lula 'tem culpa no caso de corrupção na Petrobras'”. Este é Luiz Inácio Lula da Silva, hoje. Isso graças à crise econômica enfrentada por Dilma Rousseff que já afeta a imagem do ex-presidente.
E a reação não tardou. Segundo a coluna de Raymundo Costa, do Valor Econômico (não desmentida), durante uma conversa na semana passada, Lula, durante uma sessão de broncas e cobranças, chegou a levantar a voz com Dilma. O fato foi presenciado por aqueles que aguardavam para a reunião que ocorreria logo em seguida.
O ex-presidente ameaçou soltar a presidenta na ladeira, caso ela não faça mudanças que ele considera necessárias, a começar por encostar o atual ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante em algum dos 39 ministérios (incluindo 10 secretarias ligadas à presidência e cinco órgãos, todos com status de ministério) e promover para a pasta o atual ministro da Defesa, Jaques Wagner.
Intuitivo sabedor de Maquiavel, e baseado em um de seus ensinamentos, que diz “Dificilmente é derrotado todo aquele que consegue avaliar corretamente as suas forças e as do inimigo”, o ex-presidente aconselhou Dilma a designar um papel especial para o vice-presidente Michel Temer, do PMDB.
E o básico em política, ainda não bem compreendido pelo espírito guerrilheiro da presidente: dialogar mais, única forma de governar um país complexo como o Brasil.
Lula tem razão, afinal o PT tem em mãos pesquisas que apontam que se as eleições fossem hoje, o partido teria 10% dos votos de legenda, distante e abaixo dos 30% que costumava conquistar.
Espírito guerrilheiro
Refloriu o espírito guerrilheiro em Dilma Rousseff, que sabe ser a vitória possível apenas quando se obedece às ordens superiores dentro de uma rígida hierarquia, e também que nem sempre o melhor soldado será um bom comandante.
Depois do fiasco da medida provisória 669 que trata da desoneração da folha de pagamento das empresas, que quando devolvida elevou a imagem do Senado – leia-se Renan Calheiros e o PMDB - e maculou a do Planalto, a presidente recuou e deve promover mudanças nas medidas provisórias 664 e 665, que restringem a concessão de benefícios trabalhistas e são parte do ajuste fiscal proposto pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Tema espinhoso entre os movimentos ligados ao partido.
Essa atitude deu um refresco na relação ex e atual presidentes. Lula se reuniu com Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), com o senador Paulo Paim (PT-RS) e com Rui Falcão, presidente nacional do PT, para evitar deserções na base de apoio ao governo. Esse “conselho” formado por Lula deve detalhar quais pontos devem ser mudados nas medidas provisórias, e quanto dos R$ 18 bilhões de economia previstos pelas MPs, serão mantidos.
A tosse da vaca
As mesmas pesquisas internas que apontam uma queda no potencial de votos do partido, também apontam que parte do eleitorado petista considerou as Medidas Provisórias um “estelionato eleitoral” que somado ao cometido durante a campanha, quando a então candidata a reeleição garantiu que não havia a possibilidade de mudar direitos trabalhistas conquistados “nem que a vaca tussa”, provocaram um perigoso distanciamento da atual gestão com os movimentos que sempre deram apoio aos governos petistas.
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Não bastasse a atitude de Marta Suplicy, que durante sua festa de aniversário confirmou sua saída do PT, arrastando consigo uma parte do eleitorado paulistano, antes da conversa com Lula, o senador Paulo Paim, que vem insatisfeito desde a campanha eleitoral, sinalizou que poderia, ele também, abandonar as fileiras petistas caso as MPs fossem aprovadas. PSB, Solidariedade, PMDB e PDT, entoaram o canto da sereia tentando atraí-lo para si. Isso deixa claro que se a vaca não tossiu, está indo célere para o brejo, porque dificilmente a presidente contaria com os votos de seu próprio partido para aprovar as Medidas.
Dissemos antes e repetimos: “A presidente está acuada e rejeitada. Paga o preço por ter levado a efeito uma administração desastrosa no campo político e econômico durante seu primeiro mandato”.
Repartindo a culpa
Em recente evento, quando inaugurou uma unidade de secagem e armazenagem de arroz em um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, saudada e blindada por integrantes do MST, Dilma discursou de forma estranha e conseguiu fazer uma intersecção que divide a culpa pelos descasos e desencontros econômicos com o final do segundo governo Lula. “Nós temos vivido, nos últimos dias e mês, um momento bastante tenso no Brasil. Quero dizer para vocês, com a mais absoluta sinceridade, o governo tomou todas as medidas possíveis, nos últimos seis anos (grifo nosso), para que a crise não atingisse a população", disse Dilma.
Em outra perigosa e comum escorregada - sempre que discursa sem texto preparado ou sem ponto eletrônico - afirmou que “desde 2009, o governo fez esforços para manter os preços e desonerações. "Pegamos o dinheiro do governo federal, agora não temos como absorver tudo isso. (...) Não estamos pedindo para alguém assumir a responsabilidade. Não temos como assumir tudo", disse.
Talvez não se aperceba, mas o dinheiro utilizado era sim do governo federal, ou seja, do povo. Dilma parece não compreender isso, ou pior parece supor que toda a população não saiba, como se houvesse uma mágica árvore de onde brota o dinheiro do “Governo Federal”, que será colhido e distribuído entre a população e que, com a crise hídrica, mal nutrida, essa árvore tenha secado...
Solitária no poder e ainda assim mal acompanhada
O coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, discursou ao lado da presidente e criticou o agronegócio que teria transformado o Brasil no "maior consumidor de venenos do mundo", e também a TV Globo por ter feito a cobertura das manifestações, que na sua ótica foi uma “atitude golpista da classe média”.
Não bastasse a Dilma seu próprio discurso.