30 de junho de 2024
Campo Grande 16ºC

'QUANDO ELE CHEGA'

'Se uma criança que assistir denunciar, já ganhei o Oscar', diz diretor de filme sobre pai abusador

Baseado em fatos reais, filme sul-mato-grossense estreou no cinema na3ª.feira (25.jun.24)

A- A+

A première do filme ‘Quando Ele Chega’ foi realizada às 19h30 da 3ª.feira (25.jun.24), no Cinema UCI, no Shopping Bosque dos Ipês, em Campo Grande (MS).

Roteirizado e dirigido pelo cineasta sul-mato-grossense Roberto Leite, o curta-metragem é um drama sobre os abusos sexuais sofridos pela adolescente Bella. O autor dos crimes é o próprio pai da garota.  

Após a exibição da obra cinematográfica na sala lotada do UCI o diretor resumiu seu objetivo com o trabalho:"Se uma criança que assistir denunciar, já ganhei o Oscar". 

O roteirista e diretor Roberto Leite e a produtora executiva Caroline Merlo discursam ao final da sessão de estreia do filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz O roteirista e diretor Roberto Leite e a produtora executiva Caroline Merlo discursam ao final da sessão de estreia do filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz 

O roteiro acompanha como os abusos do pai alcoólatra afetam Bella, suas amizades, sua família e seu desempenho escolar, retratando uma jornada de dor, resiliência e busca por justiça.

DELICADO, DOLORIDO E DESAFIADOR

O cineasta Roberto Leite. Foto: Tero Queiroz O cineasta Roberto Leite na première do seu novo filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz 

Segundo o cineasta, Bella é o nome fictício utilizado para se referir a uma amiga da juventude de Roberto que sofreu abusos. Um dos temores do autor era de que o filme pudesse causar dores novamente na amiga, mas isso não ocorreu. “Ela assistiu e aprovou o filme, então estou aliviado”, descontraiu o diretor. 

Roberto Leite conversa com convidados pouco antes do início da sessão de etsreia do filme 'Quando Ele Chega', no Cinema UCI, em Campo Grande (MS). Foto: Tero QueirozRoberto Leite conversa com convidados antes do início da sessão de estreia do filme 'Quando Ele Chega', no Cinema UCI, em Campo Grande (MS). Foto: Tero Queiroz

Assim como no discurso para o público, ao fim da sessão, Roberto Leite voltou a se emocionar ao mencionar os desafios de transformar em filme a história real pela qual foi diretamente afetado. “Foi um desafio primeiro de querer contar essa história, porque eu não queria contar essa história, tem muitos gatilhos, machucava, é sobre o que vivi! Então, durante o processo eu fiquei com muito receio, porque temia não conseguir completar”, introduziu o diretor.

Protagonista... Eloa Marques, de 12 anos, comentou sua estreia na tela grande dando vida a Bella. “Eu fui convidada pelo Roberto, no começo sempre dá um susto para a gente, mas pretendo seguir carreira, porque já passei pelo canto, sou modelo, mas acho que vou seguir no cinema”, cravou a atriz mirim que carrega o título de Miss Brasil Juvenil de 2023.

A atriz Eloa Marques que deu vida a personagem Bella no filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero QueirozA atriz Eloa Marques que deu vida a personagem Bella no filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz

Para desenvolver o papel, Eloa disse que foi preciso ter coragem e saber separar ‘as dores’. “É algo profundo, porque tem que entrar no personagem e sentir tudo que ela passou, aquele trauma que ninguém merece passar, mas graças a Deus eu consegui separar e deu tudo certo, o filme está aí, estou feliz”, acrescentou a protagonista.

Eloa como Bella no curta-metragem 'Quando Ele Volta'. Foto: Tero Queiroz | Sessão PremièreEloa como Bella no curta-metragem 'Quando Ele Volta'. Foto: Tero Queiroz | Sessão Première

Outro estreante na 7ª arte... Silas Lopes, de 14 anos, deu vida ao amigo mais fiel de Bella, e resumiu os sentimentos ao fim da sessão: “Foi muito emocionante, nunca imaginei me ver ali naquela telona, é inesquecível, um sentimento completamente novo, diferente”. 

O ator Silas Lopes na estreia do seu primeiro filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz O ator Silas Lopes na estreia do seu primeiro filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz 

Questionado sobre os desafios de dar vida ao amigo de uma criança abusada, Silas pontuou: “Foi difícil, porque é um assunto pesado demais e ainda o personagem que eu fiz fazia bullying com a Bella, ela sofrendo ali e o cara com a maldade, depois fiquei sentindo isso, imaginando a dor dela e sentindo a dor dele”, disse o ator mirim.

Silas Lopes em cena quando escreve uma carta para Bella no filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz S| Sessão PremirèreSilas Lopes em cena quando escreve uma carta para Bella no filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz S| Sessão Premirère

Não foi explicitado em nenhum momento, mas pelo contexto geral, o personagem desenvolvido por Silas Lopes representa o diretor quando adolescente.

Antagonista na trama... Pablo de Lima, que dá vida ao ‘pai abusador’, revelou que para construir o personagem utilizou técnicas difundidas pela professora de atores norte-americana Ivana Chubbuck. “Ela trabalha com substituição. É um tema muito sensível, é uma história e personagem complicado de se vivenciar, por não ter isso de abusador dentro de você, não tenho esse contexto do abusador, então pautei ele na substituição, quando você usa de outras memórias e momentos da sua vida para jogar dentro daquele contexto”.

O ator Pablo Lima na première do filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz O ator Pablo Lima na première do filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz 

Pablo apontou que diante da relevância do tema do filme, houve ainda mais entrega na sua performance. “Eu abracei esse filme, mergulhei de cabeça e emergi nele, porque acho extremamente relevante tudo ali, a mensagem é necessária! Eu acredito no propósito do filme, é muito forte, eu acredito que todo mundo conhece alguém que já passou por isso. Aquilo que o Roberto falou lá dentro é muito forte: se uma criança tomar coragem e expor a situação que porventura ela esteja vivenciando, esse filme já cumpriu a missão, valeu todo o investimento”, declarou. 

Na trama o pai invade o quarto da filha nas noites de bebedeira. Foto: Tero Queiroz | Sessão PremièreNa trama o pai invade o quarto da filha nas noites de bebedeira. Foto: Tero Queiroz | Sessão Première

Mãe da Bella... Rafaela Oliveira disse que ficou interessada pela história em razão da importância do debate na sociedade. Assim como os colegas de cena, Rafaela destacou o desafio de adentrar o tema e as dores contidas na trama. “Foi difícil e ainda não passou porque essa é uma personagem que traz históricos muito fortes, que a gente conhece. Eu me coloquei nesse lugar de mãe, que por muitas vezes nem sabe o que fazer e que todo mundo pode atacar pedras por uma não ação, pela não denúncia, mas a gente precisa se colocar também no lugar desse coração dessa mãe que foi massacrado e que ela não sabe lidar, ninguém ensina como lidar com esses problemas, isso não é ensinado”, argumentou.

Rafaela em cena no filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz | Sessão PremièreA atriz Rafaela Oliveira em cena no filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz | Sessão Première

A atriz externou sua emoção ao defender a personagem, que na sua opinião, muitas vezes trava uma luta solitária contra abusadores e os sentimentos que assolam quem se vê em situações como a vivida pela família de Bella. “Quando se tem esse coração quebrado, essa fragilidade dessa mãe que sofre pelos filhos e que não sabe o que fazer e fica perdida, por que é difícil cuidar dos seus filhos e quem cuida dessa mãe? Então, é muito forte, muito potente e eu me compadeci dessa mãe e depois ela agarra seus filhos e tenta romper esse ciclo. Imagino que como no filme, são cicatrizes que abrem e fecham para sempre”. 

Rafaela Oliveira e o preparador de elenco Leandro Marques pouco antes do início da sessão première do filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz Rafaela Oliveira e o preparador de elenco Leandro Marques pouco antes do início da sessão première do filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Tero Queiroz 

Além dos entrevistados acima, integram o elenco do filme também Rita Rocha, Ana Protafio, Leonardo Mendes, Benício de Lima, Lucilene Fernandes, Pedro Legal, Andréa Freire, Alícia Souza, Bianca França e Gabriela Mencia. 

CORAGEM À MOBILIZAÇÃO

Viviane Vaz elogiou a coragem de Roberto Leite em colocar a delicada história num filme e ampliar a denúncia. Foto: Tero QueirozViviane Vaz elogiou a coragem de Roberto Leite em colocar a delicada história num filme e ampliar a denúncia. Foto: Tero Queiroz

Presente na plateia, Viviane Vaz, psicanalista e coordenadora do Projeto Nova, uma Organização Não-Governamental que atua no combate ao abuso e exploração sexual, exaltou a coragem do cineasta. “Esse tema é muito dolorido, não sei se mexeu com você, talvez tenha mexido mesmo que você não tenha passado por isso, mexe com a gente. É muito dolorido, porque vem a nossa memória questões, né? Quem já teve algum tipo algum tipo de situação parecido, um amigo como a história do Roberto, de se sensibilizar com a história. Eu acho que o ato de se mobilizar e colocar um megafone na voz dessa menina, é isso que nós precisamos fazer. É isso que nós enquanto sociedade precisamos fazer”.

Para a especialista, responsáveis dos diversos círculos sociais de uma criança devem estar atentos aos sinais e se confirmar qualquer situação, deve agir o mais rápido possível. “É perceber uma menina, ou um menino, porque meninos também sofrem, é perceber os sinais e não se calar, mas pegar na mão e ter a coragem de fazer algo em favor dessas pessoas, jamais silenciar e ficar esperando que o tempo passe, a gente precisa se mobilizar antes, que as consequências sejam maiores... Quanto mais cedo a gente chega numa situação, quanto mais cedo a gente ensina uma criança pequena que ninguém pode tocar, nem mesmo o pai ou uma mãe – porque a gente recebe histórias de mães também, não são só homens que estão nesse quadro de abusos, precisa também falar sobre isso – mas quanto mais a gente ensinar crianças, quanto mais a gente enquanto sociedade perceber os sinais de uma criança que está sofrendo abuso, mais a gente vai se mobilizar de fato pelas crianças. Então, o que estamos fazendo aqui, vamos para as escolas, vamos levar a mensagem, mas você também pode fazer”, convocou.  

Viviane Vaz também discursou ao final da sessão, mencionando o filme como uma ferramenta de educação social. Foto: Tero QueirozViviane Vaz também discursou ao final da sessão, mencionando o filme como uma ferramenta de educação social. Foto: Tero Queiroz

Vaz ainda reforçou que as pessoas que estiverem vivenciando qualquer situação semelhante podem buscar pontos de apoio como o Projeto Inova ou outras instituições. “Procure ajuda! A gente tem muitas ferramentas, mas a talvez melhor de todas é a fala. O ato da fala é muito importante, você vê o tanto de sofrimento que a Bela passou, mas no momento que ela conseguiu verbalizar, o bilhete que ela traz, é isso que faz a diferença... Então, que nós possamos nos mobilizar para isso”, concluiu. 

O CINEMA LOCAL SE FORTALECE

O cineasta Roberto Leite comentou os desafios do filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Aly FreitasO cineasta Roberto Leite comentou os desafios do filme 'Quando Ele Chega'. Foto: Aly Freitas

Diante dos diversos obstáculos, Roberto Leite celebrou a conquista de entrega do filme que coube dentro de 15 minutos. “Quando eu fui para o set, tínhamos um tempo muito apertado, então tive que resumir muito a história dentro de poucas cenas. Então, o filme foi uma realização porque consegui ver e sentir tudo aquilo que eu estava imaginando. Fiz esse roteiro em 14 dias, é a primeira vez que isso acontece comigo e tivemos um time menor para as gravações, um final de semana com o rescaldo de mais um dia”, contou... 

Continue lendo essa reportagem no TeatrineTV.