07 de setembro de 2024
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POVOS ORIGINÁRIOS

Ministra notifica governador Eduardo Riedel e indígenas são soltos

Uma equipe da Funai citou que foi ao local e teria sido impedida de acompanhar a ação pela própria PM

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A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, notificou neste sábado (5.mar.23), o governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), cobrando providências sobre o caso envolvendo 3 líderes indígenas Kaiowá Laranjeira Nhanderu. Eles haviam sido presos em ação da Polícia Militar (PM) no município de Rio Brilhante, ao ocuparem a região da Fazenda de Inho. A área está em processo de regularização fundiária pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Os indígenas presos foram identificados como Clara Barbosa, Adauto Barbosa e Lucimar Centurião, detidos sob suposta prática de esbulho possessório, resistência e desobediência e, mesmo depois da audiência de custódia, estavam sendo mantidos presos. A medida é incostitucional. 

Uma equipe da Funai citou que foi ao local e teria sido impedida de acompanhar a ação pela própria PM. A  corporação teria usado disparos de bala de borracha, bomba de efeito moral e até mesmo destruído aparelhos celulares dos indígenas que filmaram a ação. 

Diante disso, as deputadas Camila Jara (PT/MS) e Célia Xakriabá (PSOL/MG) acionaram o MPF, o Ministério da Justiça e Ministério dos Povos Indígenas. Camila criticou o uso da violência na disputa territorial legítima dos indígenas. "As autoridades do estado não podem mais fechar os olhos para a violência e intimidação com os indígenas nesse território. Precisamos mediar o conflito para acabar com a violência e, ao mesmo tempo, garantir o direito da luta pela terra e os territórios tradicionais.  Vamos cobrar para que as instituições cumpram seu papel e garantam uma solução justa, que atenda as necessidades históricas das populações tradicionais, dos agricultores familiares e que seja viável para todas as partes ", reiterou a deputada que designou advogado Dr. Carlos Henrique Justino para acompanhar as negociações em território indígena.

A ministra notificou o governador criticando a ação violenta no território indígena sul-mato-grossense. “É inadmissível que uma ação como esta avance sob corpos e territórios indígenas com tamanha violência, como foi relatado. Os Guarani-Kaiowá estão ali lutando pelo direito que lhes é garantido por lei e sabem que podem contar com o apoio e resguardo tanto do MPI, quanto da Funai, que foi impedida de acompanhar a ação. Por isso, aguardo retorno urgente do governador Eduardo, certa de que ele não compactua com isso e não será conivente com o desastroso desenrolar desta ação” , declarou a ministra.

Após a manifestação os indígenas foram liberados. Um vídeo postado nas redes sociais pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, mostra o retorno das lideranças para comunidade indígena Laranjeira Nhanderu. Eis:  

 

A secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul (Sejusp) se manifestou por nota, alegando que recebeu informação de que a área em questão era alvo da disputa de um grupo de acampados de movimentos sem-terra, que estariam pressionando para criação de um assentamento no local, e de comunidades indígenas próximas que também disputam a terra. "Com risco iminente de conflito entre os envolvidos, a Polícia Militar agiu para garantir a ordem e salvaguardar vidas. Durante a ação, três pessoas foram conduzidas até a DP da cidade, mas já foram liberadas. O governo estadual reitera disposição no cumprimento da lei, e espera celeridade na resolução das questões que cabem à União, especialmente porque a área em disputa já dispõe de laudos antropológicos", argumentou o Executivo sul-mato-grossense.

Mãe e filha Guarani Kaiowá na retomada do Tekoha Laranjeira Nhanderu, realizada nesta sexta-feira (03/03). Foto: povo Guarani e KaiowáMãe e filha Guarani Kaiowá na retomada do Tekoha Laranjeira Nhanderu, realizada nesta sexta-feira (03/03). Foto: povo Guarani e Kaiowá

A área indígena em Rio Brilhante aguarda a conclusão dos estudos demarcatórios e foi incluído no Termo de Ajustamento e Conduta (TAC) firmado entre MPF e Funai em 2007, que estabeleceu um plano de estudos para a demarcação de terras indígenas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul.

"Firme em sua atribuição legal quanto ao reconhecimento, demarcação, defesa, usufruto exclusivo e gestão das terras e dos territórios indígenas, o Ministério dos Povos Indígenas reafirma que não medirá esforços para garantir a efetivação dos direitos territoriais dos indígenas Guarani-Kaiowá".  

MEDO AO REDOR 

“Recentemente, houve uma série de outros ataques igualmente protagonizados pela PM e fazendeiros da região de Naviraí (MS), que ficaram ofuscados e subnoticiados”, relatou o coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul, Matias Benno Rempel.

A Aty Guasu – Grande Assembleia dos Guarani e Kaiowá – bem como as lideranças de Laranjeira Nhanderu denunciam há anos que os moradores da fazenda “Inho” proibiram os indígenas de plantar e tem praticado uma série de violações contra a comunidade, sobretudo despejando agrotóxico por avião sobre as roças e sobre o acampamento dos Kaiowá.

“Enquanto perdura a inércia e a negligencia da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] e do Estado, que há décadas se furtam em finalizar o estudo demarcatório e garantir o pleno acesso dos indígenas a seu território já identificado, mais de 50 famílias vivem em situação desumana, sofrendo todo tipo de violações de Direitos Humanos, estando provados das questões mais básicas”, contextualizou Matias.

“Retomar seu território ancestral, para os Kaiowá e Guarani, além de retomar sua cultura e tradições, é retomar a vida, poder plantar e assim combater a fome que em muitos momentos assola a aldeia”, acrescentou o coordenador.

Mesmo com o processo de demarcação em curso, e com “substancial material de comprovação da tradicionalidade do território, os indígenas foram forçados a viver por mais de 15 anos numa pequena faixa de mato nos fundos da fazenda Santo Antônio, lindeira à fazenda Inho, onde ocorreu novamente a retomada realizada nesta madrugada”, completou Matias.

“As famílias do tekoha amargaram em 2009 um doloroso despejo, onde anciões e crianças foram forçados a viver às margens de rodovias, entre a cerca e o asfalto, marcados por inúmeras situações de risco, medo e miséria”, prosseguiu o missionário.

Sem solução para as constantes violações, em 2011 os indígenas se estabeleceram, novamente, dentro de parte de seu território, “um dos últimos pedaços de mata nativa ainda não destruída pelo agronegócio na região”, contam os Kaiowá e Guarani. Desde então, esperaram pacientemente a finalização do moroso processo de demarcação, o que nunca ocorreu, completam os indígenas.

HISTÓRICO DE ILEGALIDADES

O histórico de ações ilegais das forças de segurança do Estado e seguranças particulares, faz com que indígenas temam retaliações, ataques e possíveis mortes.

Os Kaiowá têm memória bastante viva de quando, na primeira tentativa de retomada da parte do território tradicional onde se encontra a fazenda “Inho”, sofreram uma ação ilegal e truculenta do Batalhão de Choque da PM, que despejou de forma violenta os indígenas. A ação policial deixou pelo menos três indígenas feridos com balas de borracha e foi realizada sem mandado judicial durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). 

O despejo foi realizado sem respaldo legal, repetindo outras ações extrajudiciais já ocorridas no estado, como havia se dado com o despejo contra o povo Kinikinau, em 2019.

“A exemplo do que aconteceu também com os Kinikinau, não foi de fato um cumprimento de uma ordem de reintegração de posse. Foi o Estado tomando partido a favor de um particular, no caso o proprietário rural, e em desfavor da comunidade indígena, que tem uma pauta legítima, reivindicando a demarcação de um território”, explicou o assessor jurídico do Cimi, Anderson Santos, à época.

Após a truculenta ação policial, os indígenas recuaram até as áreas anteriormente ocupadas pela comunidade, na propriedade vizinha à fazenda “Inho”, para evitar mortes de membros de seu povo.

Meses depois da ação ilegal da polícia contra Laranjeira Nhanderu, o uso de forças de segurança pública para fins privados iria se demonstrar como uma ação intencional e um novo ‘modus operandi’ das ações do estado do Mato Grosso do Sul em favor do ruralismo, recorda Matias.

Em duas ações, que se desenvolveram simultaneamente, a PM atacou sem nenhum respaldo legal dois territórios indígenas. No caso mais grave, que ficou conhecido como Massacre de Guapoy, um significativo contingente da PM abriu fogo, dentro da Reserva Indígena de Amambai, contra a comunidade e até mesmo contra crianças Kaiowá, assassinando um indígena e deixando dezenas de feridos.

Os indígenas seguem afirmando que não abrem mão do território de Laranjeira Nhanderu, por cuja demarcação aguardam há quase duas décadas, e que estão decididos a morrer pelo seu território se for preciso.

“O Cimi, em consonância com as preocupações e o medo dos Kaiowá e Guarani, baseando-se também nos eventos recentes e desastrosos envolvendo as forças de segurança e seus ataques ilegais, alerta as autoridades para o risco de violência, e até mesmo para um possível novo massacre contra estas famílias já há muito violadas e feridas profundamente em sua dignidade humana”, finalizou o coordenador do Cimi Regional Mato Grosso do Sul.

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