Uma simples consulta em salões de beleza de Campo Grande basta para constatar que o uso do formol em escovas progressivas é amplamente utilizado. Mesmo proibido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) há quase 10 anos, por causar danos à saúde e até a morte, o produto continua usado e solicitado pelas clientes como alisante para cabelos.
As lisas madeixas escondem um dado alarmante. Apenas em Campo Grande, em 2018, cerca de 15 profissionais precisaram ser afastados de suas funções para tratamento após terem sido diagnosticados com câncer, principalmente das vias respiratórias. No ano passado, 5 faleceram por motivos associados à inalação da substância. As informações são do Sindiprocab-MS (Sindicato dos Profissionais da Área de Beleza de Mato Grosso do Sul).
De acordo com Lucimar Roza, presidente do sindicato, a resistência à retirada dos formaldeídos dos salões parte tanto dos cabeleireiros, como dos próprios clientes. “Porque o resultado com formol é mais rápido e eficiente. Eles acham que é o que dá o resultado mais perfeito. É uma blindagem”, explica.
O que diz a Anvisa
Conforme resolução da Anvisa, a concentração máxima de formol em cosméticos é de 0,2% com a finalidade apenas de conservante dos produtos, sendo adicionado durante a fabricação dos mesmos. Tal quantidade não é suficiente para alisar os cabelos ondulados ou cacheados. Apenas concentrações altas são capazes de produzir o efeito desejado. A agência afirma que os produtos registrados que possuem o formol na sua fórmula “são seguros e estão de acordo com o estabelecido na legislação sanitária vigente”.
Anvisa alerta que “para ter efeito alisante, o formol é adicionado
indevidamente aos produtos, em concentrações consideradas elevadas,
que acarretam sérios danos à saúde de quem prepara, aplica e recebe o
produto com formol. Em baixas concentrações, o formol não tem poder
alisante. Além disso, o procedimento de alisamento capilar envolve o
aquecimento dos fios através do uso do secador e chapinha que
provocam a evaporação do formol. Com isso, além do contato com o
couro cabeludo, a pessoa se expõe ao formol por inalação dos vapores
produzidos no processo causando intoxicação”.
Na prática
Entretanto, nos salões de beleza de Campo Grande o uso do produto é amplamente aceito. Em consulta realizada em 10 estabelecimentos do Centro da Capital, todos informaram sem nenhum pudor, sobre o procedimento. “Devido à procura dos clientes, os profissionais acabam usando, mesmo recebendo orientação das empresas”, justifica Lucimar, mesmo que, segundo ela, fornecedores ofereçam produtos alternativos para alisar os cabelos. Todos os estabelecimentos consultados também oferecem tratamentos livres de formol.
Lucimar conta que produtos podem ser adulterados, pois o formol é facilmente comprado no Paraguai. Ainda, produtos não registrados na Anvisa encontram-se à venda em sites na Internet.
Em relação aos 5 profissionais falecidos em 2017 e dos que passaram por tratamento de saúde neste ano, o número pode ser maior, pois ainda não há associação do quadro da doença à exposição à substância. “As pessoas não dizem que não foi o formol que levou às doenças. O médico não sabe o histórico do paciente, não sabe que ele é cabeleireiro”, opina. A médica pneumologista Andrea Cunha corrobora com a suposição. “Algumas das patologias podem estar subestimadas devido a não informação ou pesquisa da função ocupacional”, adverte.
Há quem pense que os clientes estejam protegidos dos efeitos, mas podem estar suscetíveis aos efeitos do formol, mesmo não passando pela mesma exposição que os profissionais. Em relação às vias respiratórias, Andrea esclarece que quem recebe o procedimento pode ser acometido desde “fenômenos alérgicos de sintomas suaves como rinite, espirros, irritação, sintoma de asma, tosse e falta de ar”, a até, em casos raros, “a anafilaxia (choque anafilático), que é uma resposta alérgica exagerada do organismo e oferece risco à vida”.
Já para pessoas que sofrem exposição frequente, como os profissionais, a longo prazo, eles podem desenvolver, casos graves. “Podem apresentar fibroses pulmonares, uma pneumopatia intersticial, que é um processo inflamatório”, esclarece. Andrea afirma ainda que há suspeitas de que o produto pode levar ao câncer no aparelho respiratório.
Medidas
Com o objetivo de diminuir os riscos à saúde, tanto dos cabeleireiros como dos clientes, segundo Lucimar, a Anvisa deve emitir uma portaria exigindo que os estabelecimentos instalem exaustores para renovar o ambiente saturado de substâncias evaporadas pelos secadores e chapinhas.
Além disso, ainda conforme Lucimar, os sindicatos em todo o Brasil, juntamente com a Anvisa, estão preparando uma cartilha para alertar os profissionais para os riscos do contato constante com o formol. “Em Campo Grande temos observado o grande aumento de cabeleireiros e nem todos passam por treinamentos adequados, fazem cursos não profissionalizantes e entram no mercado sem conhecimento”, observa.