Oitenta e quatro membros do assentamento 7 de Setembro receberam na 6ª.feira (15.mar.24) os Títulos Definitivos de terras em Terenos (MS).
No local, em 2009 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) demarcou 159 chácaras de 13 hectares.
Segundo apurado pelo MS Notícias, do total de áreas entregues às famílias, ao menos 40 chácaras, isto é, em média 440 hectares, foram parar nas mãos de ‘compradores’.
Na cerimônia de entrega dos 84 títulos, estavam presentes o Superintendente do INCRA, Paulo Roberto da Silva, o deputado estadual Zeca do PT, o prefeito de Terenos, Henrique Wancura Budke, a superintendente regional do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA/MS), Marina Nunes Viana, vereadores de Terenos e outros servidores do Incra.
Sob um barracão na ‘sede’ do assentamento, além dos moradores, haviam diversos ex-moradores que compareceram ao local apenas para pegar o título e entregar a um ‘comprador’. Em 2020, mostramos aqui no MS Notícias que em alguns casos os compradores adquiriram as chácaras por R$ 5 mil. “Isso aqui é uma vergonha! Como o INCRA deixa isso acontecer aqui? Como esses compradores, que a maioria são pessoas ricas, passaram nos critérios do INCRA. Não dá para entender”, reclamou um morador que pegou seu título, mas acredita ser ‘errado’ entregar o título a quem já vendeu a terra.
Apesar da reclamação do integrante, que pediu anonimato, a medida não é mais ilegal à luz do decreto N – 10.165 assinado pelo presidente Jair Messias Bolsonaro, publicada em 10 de dezembro de 2019 no Diário Oficial da União (DOU), que flexibilizou a regularização de terras doadas pelo INCRA, caso a pessoa esteja no local desde 5 de maio de 2014. Anteriormente, a pessoa titular era quem deveria fazer essa regularização, agora, porém, não é mais obrigatório.
Após as entregas, o Superintendente do INCRA, conhecido como Paulinho, argumentou à reportagem que a questão da ‘venda de terras’ não é uma regra e sim uma exceção. “Primeiro, é uma honra eu estar aqui no 7 de Setembro, hoje como Superintendente do INCRA e entregar os títulos de domínios à essa comunidade. Eu costumo dizer que esta pauta que você coloca é a exceção da Reforma Agrária no Brasil, obviamente que a gente também cuida da exceção, mas eu trato com mais carinho a regra, que é exatamente aqueles que vão receber o título para consolidada sua família, para consolidar o assentamento e para consolidar o processo de evolução da agricultura familiar no Brasil”, disse.
Paulinho alegou que o problema da ‘venda de chácaras’ pode ser evitado em entregas futuras, por meio de ações já no processo de seleção dos assentados: “Isso ganha relevância para que a gente possa, ao implantar novos assentamentos, acertar mais na questão das seleções das famílias e também possa usar a política pública que hoje tem para coibir esse tipo de procedimento que não é procedimento legal, né? Mas eu volto a afirmar que essa não é a regra, tanto não é regra que cerca de 80% dos alimentos que o Brasil produz é da agricultura familiar”, apontou.
Ainda segundo Paulinho, a sucessão é permitida perante a lei. “A Lei, ela prevê que pode haver sucessão, se uma família nova chega ali e preenche os requisitos não há problema. O que é problema, é isso virar uma forma de especulação imobiliária e aquela família que vem, a nova família, não preencher o perfil que a lei prevê. Em relação a renda, em relação a não ser um empresário, enfim, aquela família que vem ali também para labutar na terra e produzir alimento. Então, nós estamos atentos a isso, mas como eu disse, nós estamos mais atentos a regra. E qual é a regra? Pôr as pessoas na terra para produzir alimentos”.
O prefeito tucano de Terenos, Henrique Budke, esteve na entrega de terrenos num palanque com a maioria petista. Para o gestor, a ação cumpre o seu objetivo de ter como bandeira única o seu município. “Eu não sou de direita, sou de centro. Totalmente de centro! Mas acho que tem qualidades dos dois lados e a gente tem que aproveitar o que tem de bom em tudo. E o meu partido é meu município. Então, o que tiver de bom, seja de esquerda ou direita, que vai vir para favorecer o meu município, com certeza eu vou apoiar e vou abraçar”, garantiu.
Budke esclareceu à reportagem que, diferentemente da gestão do INCRA passada, a gestão de Paulinho caminha de mãos dadas com a equipe de reforma agrária da prefeitura, fazendo com que os processos sejam mais ágeis. “Estamos fazendo o nosso serviço, botar a equipe da prefeitura para trabalhar. O INCRA é extremamente parceiro, o Paulinho. Nós tínhamos problemas com a gestão passada do INCRA que a gente não conseguia essa liberação. Hoje nós temos essa liberdade, estamos titulando aqui mais 60% do assentamento, isso está muito acima da média de outros assentamentos do Brasil inteiro, graças a uma equipe organizada e claro, estruturada, com veículos novos, equipamentos novos, profissionais treinados e fazendo o que a prefeitura tem que fazer, que é organizar isso para que o INCRA possa titular”.
Na opinião do prefeito, à luz de que após ser titulado legalmente a pessoa pode vender a chácara, é preciso adotar ações para estimular o pequeno agricultor a acreditar no futuro nas terras entregues. “Depois de titulada a pessoa passa a ser verdadeiramente a ser dona e ela tem direito de vender, mas a gente não quer que ela faça isso. Então, o que o órgão público, não só a prefeitura, mas o estado e a União tem que fazer: tem que dar condições para que a pessoa permaneça ali na área rural, produza e evolua”.
Budke ainda citou algumas ações sob sua gestão para estimular a população rural do 7 de Setembro. “A gente como prefeitura a gente trouxe aqui para o 7 de Setembro, uma Unidade de Saúde nova, nós trouxemos qualidade em educação, estávamos agora na escola, entregamos material, uniformes e professores bons. A pessoa que está aqui ela tem Saúde e Educação, mas ela precisa produzir e gerar renda e riqueza para ela também”.
Na avaliação do prefeito, para manter um ‘beneficiário’ em sua chácara conquistada por meio da Reforma Agrária, é preciso dar condições que o mesmo gere renda de sua terra. “Aí entra a prefeitura, na parte de manutenção de estradas, só que entra o estado na parte de fomento, de técnicos capacitados para dar assessoria para esses produtores. Porque, a maioria que está aqui quer produzir, alguns sabem produzir muito bem e alguns precisam de uma ajuda técnica e também precisam vender. Aí entra o estado junto com a Agraer nessa parte de assessoria. E entra também a União na parte de incentivo financeiro, na liberação de créditos, porque algumas pessoas não têm condição de começar, ou elas não têm condições de aumentar. E aí o governo federal, através de liberação de crédito, foi até falado pelo deputado Zeca, é o maior Plano Safra da história, é a parte do governo federal, dar crédito para esse produtor possa evoluir, produzir mais, gerar riqueza e ter um motivo para ficar aqui, porque se não tiver motivo a pessoa infelizmente vai vender e vai embora, não é só dar o título, tem que dar condições de a pessoa viver com qualidade, produzir e ganhar dinheiro aqui”, comentou o Chefe do Executivo.
O deputado Zeca do PT, durante seu discurso aos moradores, garantiu que o Plano Safra é para todos e implorou: “Não façam a burrice de vender suas terras, pelo amor de Deus, não comentam esse erro! Se precisam de ajude me procure, vamos brigar com o banco, mas não se desfaçam assim de sua conquista depois de tanta luta”. À reportagem, Zeca reforçou que é preciso orientar os beneficiários sobre a importância e o valor das terras que estão recebendo. “Orientar eles, dizer que não devem vender, porque muitos estão com razão desiludidos, mas efetivamente com o governo do Lula, em parceria com o governo Riedel, nós estamos construindo aqui no Mato Grosso do Sul um novo momento para a agricultura familiar. Quem vender, vai errar, e eu não quero que eles errem nisso”, declarou.
Apesar de reconhecer que 'venda de terrenos' é uma relidade, Zeca celebrou a entrega dos 84 títulos, elogiando a celeridade do INCRA no Estado, como missão de realização do desejo de muitos que acreditam na terra. “Isso significa a continuação de um trabalho que deve ser reconhecido e elogiado, comando pela Marina e particularmente pelo Paulinho do INCRA, de acelerar o processo para ir de encontro ao grande anseio desse povo. Se percebia no olhar, no semblante da população, das famílias que estão aqui, o quanto estão felizes de receber o título, a escritura de sua propriedade. A mesma coisa que a pessoa que ganha uma casa, fica na expectativa de receber a escritura da casa, a garantia de que ele vai poder se permitir a construir um novo momento para ele e para a família dele”, completou.
A reportagem tentou falar com a superintendente regional do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA/MS), Marina Nunes Viana, que, no entanto, estava de saída. A servidora, porém, apresentou ao repórter o técnico do INCRA, Edson Chaparro, que explicou quais são os próximos passos a serem seguidos após o assentado receber o título.
Com um documento em mãos, Chaparro esclareceu de maneira sucinta: "Ele pegou o título hoje, aqui e deve ir ao Cartório. E registrar o título em nome dele. O cartório vai fazer uma averbação na matrícula de imóvel no assentamento, dizendo que essa terra está no nome da pessoa que está titulada. Só que ainda fica pendurado na Cláusula Resolutiva do Título. Depois ele vai ter que cumprir essas cláusulas, que é o pagamento da terra no prazo dos 10 anos, não pode alienar, não pode vender, nada. E sem incidência de questões ambientais. Ele cumprindo essas cláusulas, ele vai chegar no INCRA, comprovar o cumprimento das cláusulas, o pagamento e liberação ambiental, através de uma certidão do Imassul que ele consegue isso, pede para o INCRA a liberação das cláusulas. O INCRA vai verificar se está tudo correto, estando tudo certo, o INCRA vai oficiar o cartório dizendo que aquela terra está desembaraçada, livre e desempecida. A partir deste momento, somente a partir deste momento que o Cartório recebe essa comunicação do INCRA que a terra está livre e desembaraçada, é que o cartório vai averbar lá: essa terra não mais pendência nenhuma, aí a pessoa pode fazer o que ela quiser”.
Catharina, recebeu sua primeira terra aos 80 anos. “Nasci em Rochedo, me criei e me casei lá. Depois, fui para Santa Rita do Pardo, aí fui para São Paulo, voltei para minha terra natal e hoje estou aqui. Em maio faço 81 anos, essa é minha primeira terra, nunca tive um pedacinho, portanto, coloquei o nome da minha chácara de ‘Meu Pedacinho de Chão’”, contou, exuberante.
Ao lado do esposo e dos filhos, Catharina ficou por dez meses assentada, até conseguir ser contemplada na Reforma Agrária em 2010. "Eu cheguei aqui na madrugada de 19 de maio, que pisei nesse chãozinho. É uma maravilha receber esse título aqui. Já estou nessa idade e nunca fui tão feliz como estou sendo agora, nesse momento. Eu sempre acreditei, no começo foi difícil, falta de água, escuridão, mas compensou. Foi ótimo. Estou muito feliz hoje!", resumiu.
Questionada sobre o que representa o papel que estava em suas mãos, Catharina citou a conquista de sua terra, efetivamente. "Ontem isso aqui era do governo, hoje eu acho que é meu, acho não, tenho certeza. Pretendo viver aqui o resto da vida. Vamos lutar um bom tempo, mas vamos ser muito feliz aqui", definiu.
O esposo de Catharina, Sebastião Souza Santos, de 85 anos, esteve ao longo dos dez meses assentado com Catharina, mas lembrou que isso é um pequeno fragmento se comparado ao tempo do amor dos dois. "São 62 anos de casado, tento ser o pé direito dela. Ficamos lá na dificuldade e estamos aqui hoje, na felicidade".
Para Catharina, o tempo é muito relativo se for para falar do amor que sente por Sebastião. "Graças a Deus, parece que foi ontem. Temos 8 filhos, vinte netos, trinta um bisneto e cinco tataranetos", finalizou Catharina, aos risos.