26 de novembro de 2024
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Supremo Tribunal Federal

Por que o STF não deve julgar muitos políticos em 2018

Maioria dos políticos investigados não precisará se preocupar com a Lava Jato no STF em 2018

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Ao longo do ano de 2017, a aposta entre analistas e até mesmo investigadores que acompanhavam o andamento da operação Lava Jato era de que o Supremo Tribunal Federal (STF) começaria ainda no ano passado a julgar os casos da operação envolvendo políticos, o que não aconteceu. E uma análise mais profunda mostra que a maioria desses investigados ainda não precisa se preocupar: dos mais de cem inquéritos, só dois estão prontos para serem julgados.

Na prática, a existência do chamado "foro privilegiado" para os políticos com mandato adia o risco de punições. E, em muitos casos, evitará que investigados na Lava Jato sejam enquadrados pela Lei de Ficha Limpa, o que poderia excluí-los das eleições deste ano - a norma impede que condenados na segunda instância por certos crimes sejam candidatos.

Quem não tem cargo no momento, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é que precisa se preocupar. Um dos processos de corrupção contra o petista, no qual ele já foi condenado em 1ª instância pelo juiz Sergio Moro, será julgado em janeiro pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre. Caso a condenação seja confirmada, ele poderá ficar inelegível e, com isso, de fora das eleições deste ano.

Outro exemplo é Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara, hoje preso em Curitiba. Sem mandato, ele já foi condenado em segunda instância e, na teoria, teria pretensões de disputar as eleições frustradas, caso a tivesse.

Já no STF, a maior parte dos processos da Lava Jato ainda está no começo, e provavelmente não será concluída em 2018. É o caso das denúncias contra políticos da cúpula do PT, do PP e do PMDB, consideradas algumas das mais importantes da operação: as denúncias só foram apresentadas pelo então procurador-geral, Rodrigo Janot, em setembro passado.

O mesmo se dá com os 74 inquéritos que foram abertos em abril passado, decorrentes da delação da Odebrecht. Janot não teve tempo de apresentar nenhuma denúncia nesses casos antes de deixar o cargo. A sucessora dele, Raquel Dodge, tampouco apresentou alguma até agora.

Do acervo de mais de uma centena de inquéritos relacionados à Lava Jato no STF, só 35 tiveram denúncias apresentadas até o momento. E, destas, apenas nove foram aceitas e se tornaram ações penais, o que significa que os políticos acusados são, formalmente, réus. As informações são da Procuradoria-Geral da República, e foram confirmadas pela reportagem da BBC Brasil em um levantamento no sistema eletrônico do STF.

O destino das investigações da Lava Jato no Supremo não é, por enquanto, muito diferente da maioria dos processos criminais de políticos com foro privilegiado naquele tribunal. 

Em meados do ano passado, uma equipe de pesquisadores da FGV Direito Rio publicou um estudo (leia aqui) mostrando que só 0,6% dos crimes de políticos apurados no STF resultaram em condenação. E, em cerca de dois terços dos casos (65%), os processos nem sequer chegaram a ser julgados: os supostos crimes prescreveram antes, ou (o que é mais comum) a questão deixou de ser da alçada do Supremo quando os políticos envolvidos deixaram os cargos.

Um dos autores do estudo, o professor da FGV Direito Rio Ivar Hartmann, disse à BBC Brasil que é "provável" que a corte não conclua os principais casos da Lava Jato em 2018. "Esta previsão é amparada no tempo médio da tramitação dos casos penais no STF", diz ele. Os processos julgados em 2016, por exemplo, estavam "na fila" durante uma média de 1.377 dias (ou 3,7 anos), segundo a pesquisa da FGV.

A possibilidade de prescrição dos crimes também pode favorecer os investigados. No caixa dois, por exemplo, esse prazo é de 12 anos. Nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, 16 anos. Se o acusado tiver mais de 70 anos, o tempo cai pela metade.

Embora o prazo seja relativamente longo, muitas vezes as apurações só começam décadas depois: é o que aconteceu na delação do empresário Emílio Odebrecht, da empreiteira de mesmo nome. Ele narrou pagamentos a políticos ainda na década de 1990, mas os casos dificilmente resultarão em punições.

Problema estrutural

"O que acontece é que, no STF, quase todos os casos estão com um único ministro (Edson Fachin), que não tem atribuição exclusiva para a Lava Jato, como acontece (com o juiz federal Sergio) Moro", diz o advogado Pierpaolo Bottini, defensor de réus da operação.

Para ele, a lentidão nos processos "mostra que o STF não tem vocação para julgamentos criminais". "Precisamos repensar a questão da prerrogativa de foro", afirma.

O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, diz que o ritmo dos julgamentos no STF é determinado pelo Ministério Público Federal, que apresentou as principais denúncias da Lava Jato nos últimos meses de 2017.

"Há uma sobrecarga enorme em cima do STF, e muitas vezes injusta. O Supremo só age se for provocado. O doutor (Rodrigo) Janot (ex-PGR) só apresentou denúncias no final do ano passado. Tenho vários clientes da Lava Jato, com foro no Supremo, que sofrem inquérito desde o início, há dois, três anos, e que estão inconclusos", diz Kakay, que é um dos principais criminalistas na defesa de réus da Lava Jato no Supremo.

Procurada pela BBC Brasil, a Procuradoria-Geral da República informou que o trâmite de um processo penal no STF tem várias etapas, que não dependem só dos procuradores. Uma denúncia só se torna uma ação penal na corte depois que é aceita por um colegiado - no caso da Lava Jato, a 2ª Turma, formada cinco ministros.

Para que o processo vá a julgamento, a PGR e o acusado devem se manifestar nas chamadas "alegações finais". É só depois disso que o ministro responsável pelo caso formula um relatório (o voto) e libera o processo para julgamento.

Decisões importantes

Embora exista a possibilidade de que o Supremo não julgue muitos políticos da Lava Jato, a corte não deixará de abordar temas com impacto direto sobre a operação e outras investigações de corrupção.

"Eu acho que, na verdade, tanto a própria força-tarefa (de investigadores do MPF) quanto os ministros (do STF) devem concordar que casos como o do fim do foro privilegiado, da possibilidade da PF fechar delações e do cumprimento de pena depois da condenação em segunda instância terão um impacto maior na Lava Jato que o julgamento de ações penais", diz o pesquisador Ivar Hartmann.

O professor diz acreditar ser "provável" a conclusão destes julgamentos neste ano, embora eles ainda não estejam na pauta prevista do tribunal.

Em relação ao foro privilegiado, já existe inclusive maioria no STF para restringir o direito de ser julgado pela corte - a proposta, formulada pelo ministro Luís Roberto Barroso, é de que só ficariam ali o julgamento de crimes cometidos no mandato e que tenham relação com o cargo público. A apreciação do tema foi interrompida em dezembro por um pedido de vista de Dias Toffoli.

O STF também começou a julgar no fim do ano passado se a Polícia Federal teria legitimidade para fechar acordos de delação premiada. O Ministério Público Federal é contra esta possibilidade, e entende que só os procuradores poderiam fazer este tipo de acordo. Mas, para a maioria dos ministros, os delegados da PF têm, sim, poder para fechar os acordos.

O julgamento acabou adiado no dia 14 de dezembro - a presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que pretende retomar a questão ainda em fevereiro deste ano.

Por fim, o Supremo também terá de decidir se as pessoas condenadas (por qualquer crime, não só de corrupção) podem começar a cumprir pena na prisão logo depois de serem condenadas na segunda instância da Justiça. O Ministério Público defende que se mantenha a regra atual: a de que a pena começa logo depois da segunda condenação no mesmo processo.

Ainda não há data para o julgamento das ações sobre o tema, que foram propostas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Partido Ecológico Nacional, o PEN. 

Quais são os casos mais adiantados?

Dos nove processos que já se tornaram ações penais, só dois encontram-se na fase final, e podem ser julgados já no começo de 2018. Trata-se das investigações contra a senadora e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), e contra o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR). O STF volta do recesso no dia 1º de fevereiro.

Segundo o ex-diretor da Petrobras e delator Paulo Roberto Costa, Gleisi Hoffmann teria recebido R$ 1 milhão vindo do esquema de corrupção na estatal petroleira. O acerto teria sido feito pelo marido de Gleisi, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, e o dinheiro teria ido para a campanha da petista ao Senado, em 2010. A PGR atribui aos dois os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Assim como Gleisi, Meurer também foi acusado por Costa. O delator acusa o deputado e dois filhos dele de receberem R$ 357 milhões do esquema na Petrobras, de 2006 a 2014. O dinheiro teria sido depois distribuído para vários integrantes da bancada do PP no Congresso. O deputado também é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Tanto ele quanto a senadora petista negam irregularidades.

"Nunca tive relação com Paulo Roberto Costa (...). Estou há três anos apanhando nesse processo. Não tem uma prova nele que mostre que eu tenha cometido qualquer ilícito, qualquer crime, e estou já sendo julgada e condenada antecipadamente", disse Gleisi em agosto, após depor sobre o caso no STF.

Os advogados do deputado Nelson Meurer dizem que o Ministério Público Federal "atribuiu ao réu (o deputado) toda a culpa objetiva e subjetiva, como se pudesse ser responsável pelo 'roubo' ou 'desvio' de mais de R$ 300 milhões, independentemente de todos os demais parlamentares e lideranças do Partido (o PP)".

Além de negar irregularidades, os defensores dizem que o deputado teve seu direito de defesa negado durante o processo.

A reportagem da BBC Brasil tentou contato com Gleisi e Meurer, mas não obteve respostas.